Fintechs do bem: conheça as únicas brasileiras que estão no Sistema B

Avante, Impact Bank, IOUU, Mais Fácil, Provi e Social Bank: essas fintechs são parte do grupo das únicas 20 empresas do setor financeiro brasileiro que estão no Sistema B. Impact Bank e Social Bank estão em fase final da certificação; as outras quatro já tem o selo.

O Sistema B é um movimento global que pretende redefinir o conceito de sucesso nos negócios e identificar empresas que utilizam seu poder de mercado para solucionar algum tema social e ambiental. Criada nos Estados Unidos em 2002, a iniciativa, que só chegou ao Brasil em 2014, apoia e certifica empresas orientadas por princípios ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Mas não se trata de ONGs: é capitalismo consciente que chama.

Para ganhar a aprovação do Sistema B – hoje somente 2,5 mil a 3 mil fazem parte, no mundo – é preciso passar por uma auditoria e atingir uma pontuação segundo critérios como uso de água reutilizável e de energia solar, presença de mulheres e negros no conselho e diretoria, entre outros. É preciso até mudar o contrato social, se comprometendo a causar impacto positivo.

O presidente do Social Bank, Rodrigo Borges, antecipou a conquista da certificação para o Portal Fintechs Brasil em entrevista em vídeo. “Somos o primeiro banco brasileiro com o selo”, diz. O Social Bank comprou o Banco Capital, de Salvador – e agora aguarda apenas a aprovação do Banco Central para se transformar em um banco completo.

O lado social do banco é explícito: na carteira, há mais de 100 mil contas salário, entre elas de 50 mil lavradores e 30 mil pessoas vulneráveis – o banco é parceiro da Organização das Nações Unidas (ONU) para ajuda humanitária, reforçando o conceito de inclusão. “Queremos levar muito para quem tem pouco ou nada”, diz Borges. “Atendemos jovens, lavradores, vulneráveis, indígenas, idosos, investidores. Trabalhamos com um equilíbrio entre inclusão e resultado”, afirma Borges.

“Estamos presentes em cidades do interior do Nordeste, sem caixa eletrônico, sem banco, sem ninguém interessado em bancarizar; vamos incluir, educar, contribuir para o desenvolvimento local, e com isso auferir receitas, em vez de despesas”, diz.

No DNA

A Avante é uma fintech especializada em microcrédito. “Já nascemos com o DNA de empresa B, não precisamos fazer nada para nos adaptar. Sempre defendi mudar a mentalidade de fazer negócios no Brasil. A Avante acredita no capitalismo consciente. Até 2021, queremos transformar a vida de um milhão de empreendedores”, afirma o sócio e fundador da Avante, Bernardo Bonjean, que já foi do BTG Pactual e sócio da XP Investimentos.

“A elite do Brasil é muito ruim, nota 1 ou 2. Quando ganha dinheiro, a primeira coisa que o empresário daqui faz é comprar jatinho e sonegar imposto. Ok achar que o governo não resolve os problemas sociais do Brasil, mas por que então não investir seus lucros para ajudar a resolver?”, diz Bonjean. Para ele, que trabalhou toda a vida no mercado financeiro – e saiu pois não via mais sentido em ganhar dinheiro fácil sem resolver os problemas brasileiros – meritocracia no Brasil é algo complicado: “Tem a meritocracia que começa no subsolo e outra que começa no 29º andar. É muito diferente”.

Bonjean explica que apesar de usar tecnologia de ponta, inteligência artificial e análise de dados para aprovar os créditos, também acredita na construção de um relacionamento de confiança com os clientes. “Nosso modelo é tech and touch” – ou seja, tecnologia e contato.

A fintech IOUU é especializada em empréstimos peer to peer (pessoa a pessoa, ou P2P) e tem como propósito levar o crédito de maneira fácil, simples e justa para micro e pequenas empresas, que hoje são mais de 10 milhões, e responsáveis por 52% da massa salarial e 27% do PIB. Eles acabam de fechar parceria com a Baduk e o Sebrae para conseguir encontrar e qualificar empreendedores de baixa renda.

“Nossos empréstimos sociais vão de R$ 200 a R$ 2000; a cada parcela que paga, o tomador recompõe seu limite. Estamos focados em comunidades de baixa renda em São Paulo, emprestamos para empreendedoras femininas que precisam de dinheiro para investir nos seus negócios. É um empréstimo social a uma taxa mais barata e 100% online”, diz Bruno Sayão, CEO da fintech fundada em 2016.

Segundo Sayão, o impacto econômico e social sempre foi um pilar da fintech, que foi acelerada pela Artemísia – por sua vez, especializada em medir indicadores como quantidade de empregos gerados, e o crescimento dos negócios depois do empréstimo. “Lucro é importante, mas é possível juntar impacto social com lucro. Já nascemos com esse viés, conseguir a certificação de empresa B foi um processo natural”.

Valor social e ambiental

O Impact Bank se auto define como uma fintech criada por ativistas que tem como objetivo engajar pessoas, empresas e ONGs em um movimento para “adicionar valor social e ambiental na circulação do dinheiro e financiar transformações para um futuro mais justo e regenerativo”.

A plataforma disponibiliza serviços de conta de pagamento digital e, em breve, vai oferecer produtos com viés de impacto social e ambiental, como investimentos com critérios ESG, empréstimos, microsseguros e câmbio.

Ao contrário de outras contas digitais que não cobram tarifas, o Impact Bank cobra – e o CEO Gabriel Ribenboim explica porque: “Somos éticos e transparentes. Cobramos de quem pode pagar.”

O Impact Bank retorna R$ 0,10 de cada transação com tarifa e até 0,1% de todo valor transacionado nas maquininhas para o Fundo de Transformação, um fundo filantrópico com governança própria focado em alavancar projetos de ONGs, cooperativas e associações selecionadas, que contribuam efetivamente para a erradicação da pobreza, aumento do emprego digno, crescimento econômico e redução das desigualdades, tópicos que fazem parte dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

As tarifas cobradas também patrocinam contas sociais, ofertadas para pessoas que não têm acesso ao sistema bancário, através de arranjos inclusivos em comunidades tradicionais e originárias do Brasil.

Ian Lazoski, cofundador do Impact Bank, explica que uma das metas é tornar o arranjo uma instituição de pagamentos e, posteriormente, uma sociedade de crédito direto. “Para nós, o impacto e a comunidade vêm em primeiro lugar e pelo tempo que for necessário, toda a receita, descontadas as doações, será aplicada para aprimorar e ampliar os serviços, melhorar a experiência e maximizar a estratégia de impacto”, completa.

“Dá para ser unicórnio fazendo o bem”

“De alguns anos para cá, essas startups têm ganhado força. Um bom indicador disso é o fato de a Vox Capital, responsável pela gestão de grandes investidores que buscam aplicar em companhias que tenham propósito social ou ambiental, ter investido, até 2019, em mais dessas 30 startups, alcançando mais de 13 milhões de pessoas”, diz Adriano Meirinho, sócio e co-fundador da fintech Celcoin. Só a Celcoin já atinge quase 3 milhões de pessoas por mês, em mais de 60% das cidades brasileiras, sendo 76% dessas, regiões não-metropolitanas, diz.  A Vox Capital é uma das 20 do setor financeiro que está no Sistema B; a Celcoin ainda não, mas em breve deve ser levada pela mão pela Vox, seu principal investidor.

“Os sistemas econômicos tradicionais não têm como princípio e objetivo o engajamento social e ambiental e falham em responder à necessidade de regeneração do nosso planeta. Com isso, cresce o interesse pelas inovações e a adesão aos modelos de negócios regenerativos que buscam o equilíbrio na relação entre planeta, pessoas e lucro. E é por esse público consciente, que cresce cada vez mais, que queremos começar” destaca Ribenboim, do Impact.

Bonjean, da Avante, diz que o melhor capital intelectual hoje, gente saída das melhores universidades, já prefere trabalhar em empresas com esse comprometimento. “Sem contar que traz muita credibilidade para os investidores. Quando veem uma empresa B, já sabem que não precisarão fazer uma auditoria minuciosa, porque alguém já fez”. Seu recado final para os jovens empreendedores é: dá para ser um unicórnio, uma empresa de US$ 1 bilhão, fazendo o bem”.

A Avante está na fase final da sua última rodada de captação antes de abrir o capital na Bovespa Mais. A expectativa é levantar R$ 75 milhões através de um Club Deal (consórcio formado entre mais de um fundo de private equity). Segundo Bonjean, o mínimo para investir é R$ 50 mil.

O Social Bank caminha para triplicar de tamanho em 2021. A perspectiva é atingir R$ 2 bilhões em recursos depositados, ante os R$ 700 milhões previstos para este ano. Segundo seu presidente, o Social Bank deve receber, em breve, uma primeira rodada de investimentos. Há conversas neste momento com fundos e varejistas digitais.

“Além de oferecer juros mais baixos para os tomadores e mais atraentes para os investidores, a IOUU leva crédito para quem não tinha acesso ou, se tinha, se enforcava – dada as altíssimas taxas cobradas pelos bancos convencionais”, explica Sayão, da IOUU. Segundo ele, a fintech já emprestou mais de R$ 25 milhões em mais de 300 operações; e tem mais de 14 mil investidores cadastrados na plataforma. Além do microcrédito social, a fintech também intermedia empréstimos para PME. No primeiro caso, o crédito pode ser de no máximo R$ 2 mil; no segundo, vai até R$ 500 mil.