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ENTREVISTA: Luiz Fernando Figueiredo/Mauá "Vamos abrir um fundo de venture capital"

A gestora independente Mauá Capital está estruturando um fundo de venture capital, que deve abrir para captação até o começo do ano que vem. A idéia é usá-lo como veículo para fazer a gestão de fintechs e outras startups nas quais a Mauá investe, como a Marvin e a Pontte – mas também abrir para captação de recursos de clientes. “Já temos alguns investimentos mas não podemos diversificar muito fora da própria gestora”, disse ao portal Fintechs Brasil Luiz Fernando Figueiredo, CEO e sócio fundador da Mauá. O portfolio ainda não está completamente definido, mas deve ser um mix entre as startups que a Mauá investe e as que Figueiredo e os seus sócios investem hoje como pessoa física.

Ele, que foi diretor de política monetária do Banco Central entre 1999 e 2003, e sócio de Armínio Fraga na Gávea, investe como pessoa física em oito startups, das quais quatro fintechs: Marvin, Pontte, SL Tools e a55.

O interesse de Figueiredo pelo admirável mundo novo das startups começou há aproximadamente seis anos, depois de participar de um evento em Nova York promovido anualmente pela Singularity University. “Nunca voltei tão apavorado de um evento. Saí de la me perguntando se conseguiríamos nos inserir nesse cenário ou seríamos atropelados”, diz, acrescentando que é daqueles que acreditam que a máquina vai sim substituir o homem, até em questões sensíveis e emocionais. “Posso estar errado. Mas, na dúvida, apavorei meus sócios para juntos tomarmos uma atitude, fazer alguma coisa. Se for para nosso negócio morrer, ficar para trás, que pelo menos sejamos os últimos da fila”, brinca.

Fundada em 2005, a Mauá é especializada em investimentos alternativos, tem mais de R$ 6 bilhões em ativos sob gestão e mais de 80 colaboradores. A fintech Marvin, que nasceu em março deste ano, foi avaliada em R$ 65 milhões; e a Pontte, de 2019, além do investimento da Mauá, recebeu um aporte de R$ 160 milhões no ano passado. A SL Tools é especializada em aluguel de ações via plataforma eletrônica (em vez do balcão) “e mais outras opções relacionadas a investimentos em Bolsas, que serão lançadas em breve”; e a a55 atua com crédito garantido por receita recorrente, “quase como um consignado para empresas de serviços”. Para Figueiredo, há uma revolução importante em curso, com saldo positivo: “Há dois ou três anos, as fintechs tinham dificuldade de acesso a funding, até isso agora ficou muito mais fácil”.

FINTECHS BRASIL – Quando surgiu a ideia de criar o fundo de VC?

LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO – A estruturação do VC está no radar há algum tempo, mas acabou sendo atropelada por questões mais prementes, como a pauta ASG (Ambiental, Social e Governança, ou ESG em inglês) que a Mauá decidiu abraçar de corpo e alma há um ano, quando trouxemos Carolina da Costa como sócia. Ela mesma iria capitanear o projeto do fundo VC, mas os planos mudaram. Temos muitos projetos no pipeline.

FINTECHS BRASIL – Você disse que saiu apavorado do evento da SingularityU em NY há seis anos. O que fez para lidar com esse pavor?

LFF – Após muitas conversas, consultorias e pesquisas, um ano depois que voltei – há aproximadamente quatro anos, portanto – decidimos criar um laboratório de inovação na Mauá. Começou como uma área à parte, com gente de inovação e tecnologia pensando dia e noite em tudo que a Mauá faz, e como seria possível agregar valor; mas com o tempo percebemos que toda a empresa precisava estar comprometida, então colocamos desenvolvedores em todas as áreas. Nessa época aconteceu minha aproximação com startups. Daí veio o interesse em investir.

FINTECHS BRASIL – Quais são seus principais focos de interesse enquanto investidor de startups? Quais critérios usam?

LFF – Na Mauá, só entramos onde achamos 1) o negócio muito bom; 2) os sócios, excepcionais e 3) que agregaremos bastante valor. No meu caso em particular, além desses critérios, o segmento de fintechs, pela minha experiência, é onde certamente posso contribuir mais. Essa nova geração é brilhante, mas precisam tambem de gente de cabelo branco para ajudar, se não vao bater demais a cabeça – e a chance da mortalidade fica maior. De outro lado, pessoalmente também invisto em uma iniciativa de cunho social, o Instituto FEFIG, que fundei em homenagem a meu filho Luiz Felipe que faleceu em 2018, com 23 anos. Nosso foco ali é educação, e em três anos já atendemos 35 mil crianças. Na fase da pandemia fizemos muita coisa ajudando quem estava mais vulnerável, com cesta básica, cartão pre pago, ajuda a microempreendedores… temos parcerias com algumas entidades e buscamos criar impacto gerando lucro social com as nossas ações. Investimos na B-Social, plataforma 100% online voltada a arrecadar doações para diversas causas sociais. Queremos ampliar a filantropia no Brasil.

FINTECHS BRASIL – Como nasceu a ideia da Pontte?

LFF – Criamos a Pontte a  partir de uma necessidade de originar créditos imobiliários com uma visão moderna, tecnológica. O negócio está indo muito bem, cresceu bastante, acredito que vai ser uma das fintechs de destaque nos próximos anos. Home equity é o crédito mais barato que existe. Tem muita empresa e pessoas com um volume de ativos em centenas de bilhões de reais literalmente parados, que estão tomando crédito caríssimo por aí – em vez do dono do imóvel usá-lo como garantia e pagar juros baratíssimos. As pessoas temem perder o bem se não conseguir pagar o empréstimo garantido pelo imóvel, mas esquecem que se tomarem outro empréstimo e não conseguirem pagar, seus bens também serão penhorados. Um crédito home equity com prazo de 15 anos e juros baixos tem muito mais chances de ser quitado do que um capital de giro sem garantia, por um ou dois anos, e juros altíssimos. Hoje a Pontte libera empréstimos em três dias, tudo online, não circula papel. Nós fomos a primeira fintech a fazer home equity 100% online, há seis meses. Até um ano atrás isso era impensável. Tivemos até que convencer a B3 que no caso do home equity era possível sim considerar custódia digital!

FINTECHS BRASIL – E como foi a decisão de investir na Marvin?

LFF – O negócio da Marvin tem muito a ver com coisas que a gente faz, por coincidência eles decidiram entrar num nicho que é uma consequência, uma evolução do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) – projeto que eu toquei quando estive no Banco Central. Estou falando do arranjo de pagamentos de cartão de crédito, com interoperabilidade das registradoras, que abriu a concorrência desse mercado. Sou muito fã da agenda atual do BC, que está finalmente, de fato, incentivando a concorrência. A Marvin nasceu para surfar nessa onda. Nós da Mauá somos minoritários na Marvin, mas estamos muito interessados no seu desenvolvimento, comprometidos com uma agenda de reuniões semanal com os founders, com uma pauta bem movimentada

FINTECHS BRASIL – Voltando ao novo arranjo para desconto de recebíveis de cartão – que acaba de completar seu primeiro mês em operação – , você considera que é algo que pode mesmo baratear o crédito para as empresas?

LFF – Com certeza, o acesso das PMEs ao crédito vai ser muito ampliado. As empresas eram obrigadas a negociar ativos valiosos – os recebíveis de cartão por vendas pulverizadas ao varejo, de risco baixo, ou por vendas a indústrias e comércios com nome muito bom na praça – com determinada instituição financeira, que impunha as regras. Agora, haverá uma disputa por esses ativos entre os bancos, e os clientes (as empresas) sairão ganhando.

FINTECHS BRASIL – Apesar da concorrência que vem sendo gerada com a proliferação de fintechs e pelos incentivos dados pela própria agenda do regulador, até agora os bancos ainda se mexem pouco e os juros não caem…

LFF – É um processo, vai mudar, mas demora. O estoque de crédito com juros altos no Brasil é enorme. Mas as fintechs estão criando novas modalidades de crédito, novas maneiras para mitigar riscos e ampliar a disponibilidade. Já esta acontecendo na prática. Claramente a gente vê a competição crescendo, e não só na disponibilidade, mas estão sendo criadas novas facilidades e novas ofertas. Tem gente que ainda não conhece home equity e não sabe que dá para fazer diferente do que é no banco, tudo burocratizado, demorado. É uma questão cultural também. Nas sociedades modernas, crédito faz parte da vida. Aqui não: a não ser as grandes empresas, quem toma crédito é por que está com problema… Mas e isso está mudando, é um processo, não há como parar.