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Isonomia: especialistas defendem reduzir CSLL de bancos em vez de aumentar o das fintechs

Denise Ramiro

Na semana passada, o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) Isaac Sidney, reuniu-se com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, para falar sobre a reforma tributária e reforçou o pleito da isonomia fiscal no setor financeiro que vem defendendo há algum tempo. O pleito da Febraban é de que as instituições financeiras paguem a mesma alíquota de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, que é de 20% ante 15% da das fintechs. Mas especialistas ouvidos pelo portal acreditam que, se for para equiparar, o melhor seria reduzir a alíquota dos banocs do que aumentar a das fintechs.

O tema ganhou destaque na imprensa e reação forte do segmento de fintechs. Uma fonte ouvida pelo portal Fintechs Brasil sobre o assunto lembrou-se do economista norte-americano Theodore Levitt, que criou o conceito de miopia em marketing, detalhado no livro “Marketing Myopia”. Na publicação, de 1960, o autor relata a visão curta das empresas da época, diante do mercado em que atuavam, caso da chiadeira das ferrovias contra a indústria automotiva, que acabou não dando em nada. “Não cabe chorar, é preciso se adaptar às novas circunstâncias”, diz a fonte, que acredita que haverá alguma convergência sobre o assunto.

Esse é um fato novo no mundo das finanças e, conforme outra fonte do mercado, só entrou na pauta dos grandes players porque o segmento de fintechs está crescendo e incomodando. De acordo com essa fonte, um dos argumentos usados pela Febraban no pleito foi justamente o caso do Nubank — o banco digital que passou a valer US$ 30 bilhões após receber no mês passado um aporte milionário do megainvestidor Warren Buffett –, que se tornou uma potência concorrendo diretamente com os bancos tradicionais.

“O pleito é razoável em relação ao Nubank e alguns grandinhos, mas há muitos pequenos. Tentar nivelar com o grande e acertar vários pequenos de tabela não me parece muito justo”, diz outra fonte, que também não quis se identificar.

Transformação digital

Para o investidor líder em Fintechs da Bossa Nova Investimentos, João Bezerra, que lidera um pool de venture capital que investe em fintechs, o assunto é polêmico e merece serenidade ao ser analisado. De acordo com Bezerra, o ambiente com mais de 1200 fintechs realmente traz incômodo aos bancos tradicionais, mas ao mesmo tempo abre muitas oportunidades para os que souberem lidar com esse ecossistema. E dá a dica de como fazer isso. “Cada dia aparece uma fintech espetacular, com uma solução difícil de ser desenvolvida dentro de um grande banco. Diante disso, os bancos terão que se preparar de outra maneira ou desenvolver capacidade de parceria”, diz Bezerra, que conhece os dois lados do balcão: fez carreira no Itaú e agora é investidor anjo.

De fato, explica Bezera, algumas dezenas de fintechs cresceram, estão ficando gigantes e incomodando com a estratégia de focar na experiência do cliente, escalar quantidade de usuários e com foco em equity e valor de mercado, enquanto os grandes bancos têm o foco tradicional em rentabilidade.

“Não consigo julgar como foi a conversa da Febraban, mas a isonomia tributária que a Febraban pede não pode ser na linha de aumentar impostos das fintechs, mas no sentido de dar benefício aos bancos que decidirem seguir o caminho da inovação e eficiência e não de ônus as fintechs e entrantes.”, diz o investidor. “Uma agenda focada em isonomia para estimular a transformação digital e a evolução de mercado, sim, mas não a de manutenção de monopólios; focado no futuro e não em argumentos do passado”, acrescenta Bezerra.

Procurada pela reportagem para falar sobre o tema, a Febraban respondeu, através da sua área de relações com a imprensa, que de fato o presidente da entidade expôs ao ministro a preocupação de que haja maior convergência no tratamento tributário dos bancos com os segmentos que exercem as mesmas atividades. “Isso para que, além do alinhamento internacional que a reforma busca atingir, haja isonomia entre os players dos mesmos setores. A discussão de fundo é técnica e não retórica, para evitar que se ampliem as distorções e assimetrias no mercado”, diz o posicionamento da Febraban enviado ao portal.

Ainda de acordo com Febraban, os bancos estão em permanente colaboração com o regulador, estimulando a competição em todos os níveis e acreditando que ela proporciona benefícios no curto prazo aos clientes. “Ressaltamos a importância de que as regulamentações sejam iguais para todos os participantes do sistema financeiro, criando condições homogêneas tanto aos bancos já estabelecidos quanto aos novos competidores que estejam entrando no mercado”, acrescenta.

O presidente do BTG Pactual, Roberto Sallouti, reforçou a defesa da isonomia tributária da Febraban. Na semana passada, ele sugeriu que fintechs com mais de 1 milhão de clientes deveriam obedecer às mesmas regras – como as de compliance, por exemplo – que os grandes bancos devem seguir.

Reação das fintechs

A Associação Brasileira de Fintechs, ABFintechs, disse ao portal que sempre se posicionou contrária a qualquer tipo majoração de tributos para serviços financeiros. Segundo a entidade, a consequência do aumento de tributo é o encarecimento de produtos e serviços desse segmento para o usuário final. A proposta vai de encontro ao modelo de negócios das fintechs de oferecer ao cliente um serviço ao mesmo tempo eficiente e barato; o impacto do aumento tributário disso seria muito negativ

“Nesse sentido, nossa sugestão é sim de eventual isonomia tributária, no entanto, que seja feita uma força tarefa para que a carga tributária do serviço financeiro tradicional seja reduzida e não majorada a das fintechs”, sugere Diego Perez, presidente da ABFintechs. “Se pudesse seguir nesse caminho, seria um grande esforço conjunto das fintechs com a Febraban.”

O presidente da entidade também defende que qualquer majoração de tributos deve ser discutida amplamente com o mercado como um todo, e não necessariamente só com um dos agentes do segmento, para se calcular o real impacto disso e os propósitos dos bancos.

Na opinião de Perez, os bancos estão se sentindo ameaçados e usam esses movimentos para enfraquecer ou diminuir o crescimento das fintechs. “Sem uma ampla discussão, com cenários alternativos, qualquer movimento de majoração não tende a prosperar. A partir do momento que você disponibiliza o serviço de uma maneira abundante, o recolhimento de tributo passa a ser mais eficiente no médio e longo prazo”, afirma Perez.