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Cada vez mais fintechs recorrem à IA para ganhar eficiência, agilidade, rentabilidade - e a fidelidade do cliente

Denise Ramiro

O mundo corporativo está sempre atrás de aumentar receitas e reduzir despesas, o que hoje é praticamente impossivel sem tomar uma injeção de tecnologia. No caso das fintechs, tecnologia é tudo – e Inteligência Artificial (AI), uma parte da ciência da computação focada em criar máquinas capazes de pensar e aprender, é cada dia mais fundamental. Além da eficiência no negócio, a IA dá aos bancos digitais mais agilidade na análise da concessão de crédito, rentabilidade, competitividade, escala e fidelidade do cliente.

“A inteligência artificial é a razão de ser das fintechs, sem soluções algorítmicas não tem como dar crédito assertivo, entregar a agilidade que o cliente quer e evitar fraudes. A IA é uma condicionante para jogar o jogo”, diz Danilo Nascimento, sócio da Propz, empresa de inteligência artificial analítica, especializada em ativar o consumo nos segmentos de fintechs, varejo e bancos incumbentes. “Hoje, o processo de análise de crédito tem mais técnica e menos feeling”, explica ele.

De acordo com uma pesquisa que analisa o panorama da IA nas fintechs, divulgada em abril pela Distrito, plataforma de inovação aberta que ajuda empresas a se transformarem através de tecnologia, 75 delas usam a IA nos negócios, o equivalente a 7% do total de players no país. Na comparação com o número de fintechs que usam a solução no mundo, 1.700 (1,47% do total), o Brasil está adiantado, mas ainda tem muito espaço para crescer. O investimento em IA deve ultrapassar os US$ 465 milhões este ano, um avanço de 30% em relação a 2020, segundo dados do estudo da Distrito.

As maiores fintechs brasileiras que usam IA, segundo a Distrito

“Se na última década o mercado financeiro passou por uma disrupção baseada em experiência digital impulsionada pelo avanço dos smartphones, acreditamos que a próxima onda será um jogo de dados e inteligência”, disse em entrevista ao Distrito Lucas Moraes, co-fundador da Olivia, fintech que usa Inteligência Artificial e Machine Learning para aprender com os usuários de seu aplicativo como eles gastam o seu dinheiro, prever como vão gastar e a partir disso fazer recomendações financeiras. A Olivia lançou este ano a Bob, plataforma B2B de Open Banking para empresas interessadas em conhecer a jornada dos seus clientes, de fintechs a varejistas. Além de agregar contas de mais de 20 instituições financeiras, padroniza, classifica e traz informações sobre os dados.

Análise de crédito

Segundo especialistas em Inteligência Artificial ouvidos pelo portal, uma das principais demandas de uso de IA pelas fintechs é a criação de uma política de crédito. É ela que vai definir os parâmetros para a concessão ou não do crédito ou de algum outro serviço financeiro. Breno Costa, diretor da Neurotech, que atua na criação de soluções avançadas de Inteligência Artificial, Machine Learning e Big Data, explica que quando se fala em aplicação de regras, modelo de decisão e uso de dados, a IA se alimenta de três fontes de informações.

A primeira delas é a de dados internos. Segundo Costa, a fintech não necessariamente é uma startup que começou do zero, ela pode explorar a cadeia produtiva da indústria, do varejo e do atacado, de acordo com o negócio em que está inserida, o que lhe dá acesso gratuito a dados que esses players carregam de seus clientes. A segunda fonte são os birôs de crédito, plataformas que oferecem informação de pessoas e empresas, com foco nos dados que impactam o crédito.

A terceira dimensão são os dados alternativos, estruturados ou não, uma infinidade de dados e de bases que se consegue acessar para melhorar o seu processo de decisão, de segmentação, e aí sim a tomada de decisão. “São informações que vêm do próprio usuário da plataforma, de alguém que assinou um termo dentro da LGPD, permitindo esse acesso”, diz Costa.

A Neurotech tem mais de 1000 soluções nos segmentos de crédito, varejo, seguros e mercado financeiro. Costa explica que uma fintech pode criar o próprio modelo de crédito ou comprar uma solução pronta – esse é justamente o principal produto da Neurotech, no qual ela decide junto com o cliente o conjunto de parâmetros da política de crédito, segmentada para o seu negócio.

Redução de custos e rentabilidade

Uma vez que os modelos de crédito e as regras são melhorados, o player consegue negar menos crédito aos clientes, mantendo seu nível de inadimplência equilibrado. Para Costa, com regras definidas é possível evitar o erro de negar crédito para quem deveria ter crédito. “Com um modelo de crédito é possível aproveitar mais os clientes, o que é um aspecto que já vai melhorando a rentabilidade. Por conta dos custos estarem dados, aumenta-se a base produtiva, os volumes financiados, a base de cartões, dependendo de qual for o negócio da fintech”, diz Costa.

O diretor da Neurotech levanta ainda outro aspecto que pode trazer rentabilidade ao negócio. Segundo ele, com conhecimento maior dos clientes, a fintech consegue melhorar os preços, os prazos, porque é possível ser cirúrgico na oferta para cada tipo de cliente. “Você dá corda para quem pode ter corda, tira de quem não pode. Isso traz mais equilíbrio na utilização do processo de concessão e manutenção de crédito”, afirma Costa. O diretor da Neurotech calcula que é possível reduzir entre 15% e 20% os custos com o uso da IA nos processos de aprovação de crédito.

Costa contou ao portal que ao conversar na semana passada com um cliente do setor de varejo, que analisa 500 mil propostas por mês, os dois concluíram que se o varejista melhorasse em um minuto o processo de análise do cliente, do início ao fim, desde a abordagem até a concessão, ele conseguiria deslocar 50 funcionários do setor de crédito para fazerem outras atividades dentro da empresa. Na ponta do lápis, isso representaria uma redução de R$ 1,5 milhão nos custos da empresa por ano.

Eficiência na cobrança

A Qesh, plataforma de Inteligência Artificial de eficiência financeira que, com o BaaS e o BaaP, oferece aos negócios a autonomia de ter o próprio banco digital, percebendo o custo que as empresas tinham com a área financeira, com a presença de vários funcionários para fazerem vários processos, também passou a oferecer uma solução de cobrança no ” estilo fintech”, de chegar mais perto do cliente final. De acordo com o CEO da Qesh, Cristiano Maschio, com a inteligência artificial é possível entender melhor o comportamento do cliente, analisar seus hábitos de consumo dos últimos 12 ou 24 meses, por exemplo, e chegar ao motivo do atraso do pagamento. E, a partir daí, estabelecer um relacionamento mais próximo dele e de forma personalizada.

“Criamos um canal de WhatsApp com o cliente final e enviamos por esse canal um novo boleto, informando que no mês passado, por exemplo, ele pagou juros e que estão enviando outro boleto para ele não ter que arcar com encargos novamente”, explica Maschio. “Com um simples papo pelo WhatsApp, se consegue dar eficiência financeira para a empresa/cliente, diminuir o custo de operação dele e entregar uma cobrança mais efetiva para o cliente”, acrescenta Maschio. A Qesh tem hoje 55 bancos em operação de empresas que agregaram uma fintech no negócio ou passaram a operar com sistema próprio de pagamento, entre eles, a Federação de Agricultura do Estado de Minas Gerais e câmaras de dirigentes lojistas.

Agilidade, preço e fidelidade

De fato, não faz tanto tempo assim que fazer um crediário era algo moroso e, por vezes, constrangedor. “Há 30 anos, a pessoa ia comprar uma televisão e quando pedia para financiar o valor era encaminhada para o setor de crediário, tinha que preencher uma ficha, um analista fazia um processo de análise de crédito, ligava para pedir referência a um conhecido do tomador, enquanto o cliente ficava esperando, naquela expectativa constrangedora, ser ou não aprovado”, lembra Costa. Hoje, segundo Costa, a IA permite que se rode uma política de crédito em poucos segundos, apenas com o CPF do cliente, tornando a experiência melhor, mais barata e eficiente. “É a agilidade que se transforma em fidelidade”, complementa.

De acordo com o diretor da Neurotech, com a posse dos dados, é preciso processá-los e tomar decisões em tempo produtivo e rápido. A IA entra com a automação de todo esse processo, seja na geração dos modelos analíticos, seja na aplicação desses modelos e das regras nos processo de concessão, a partir dos motores de crédito, o ponto forte da Neurotech. Para Costa, dados e plataforma de decisão são as ferramentas que trazem rentabilidade e, por consequência, a fidelidade do cliente.

Open Banking

Tecnologia de ponta e fintechs caminham juntas, portanto, avanços como a modernização das regras do Banco Central para meios de pagamento e concessão de crédito trazem ainda mais oportunidades para os bancos digitais expandirem suas carteiras e criarem produtos cada vez mais customizados aos clientes. Chega na medida para as fintechs de inteligência artificial. A Qesh cria algumas camadas, a partir do modelo regulatório do BC, para montar um banco digital. “A grande mudança do Open Banking aqui no Brasil é que ele tem o BC dizendo que vai funcionar assim, e isso deixa todo mundo confortável”, explica o CEO da Qesh.

Segundo ele, para se montar um BaaS, é preciso ter algo robusto por trás, senão a conta não fecha, a parte regulatória é muito pesada. A Qesh já nasceu fazendo produtos Open Finance embutidos, colocando, por exemplo, seguro dentro da plataforma”, diz. Os seus clientes são, prioritariamente, pequenos empresários que querem e precisam de tecnologia de ponta, mas sem ter que pagar um grande software para fazer uma integração. Segundo Maschio, o negócio da Qesh é levar tecnologia para esse público a preços baixos.

A Inteligência Artificial aproxima cada vez mais o mercado de consumo do mercado de finanças. No caso das fintechs, isso se traduz em parcerias. Na opinião de Nascimento, da Propz, quem quer fazer tudo sozinho vai ficar pelo caminho. “Vai capturar pagamento quem tiver Inteligência Artificial para impulsionar o consumo. Antes, captava pagamento quem dava crédito”, compara Nascimento. Ele cita como exemplo o iFood. “Quem impulsiona o consumo é a plataforma de compra de comida e não o restaurante ou a lanchonete.”

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