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Apesar da supervalorização de algumas, fintechs brasileiras continuam atraindo investidores; saiba por quê

Denise Ramiro

O setor das startups de finanças, as fintechs, está atingindo patamares de valorização inéditos, resultado de muita liquidez e disputa pelas melhores do mercado. Recentemente, vimos o C6 atingir valuation de R$ 25 bilhões depois da compra de 40% pelo JP Morgan, o Nubank ser avaliado em US$ 30 bilhões após o investimento de R$ 2,8 bilhões de Warren Buffett em junho (que foi seguido por outros investidores), e a ADDI triplicar seu valor com o aporte de R$ 390 milhões liderado pela empresa de capital de risco americana Greycroft.

Outra mostra de que as fintechs custam mais caro do que outras startups? Neste ano, até agosto, as startups brasileiras receberam US$ 9,2 bilhões em aportes dos investidores, segundo estudo da Sling Hub divulgado nesta semana. Em reais, isso representa R$ 50,6 bilhões. As fintechs, apesar de representarem apenas 7,7% do total de quase 18 mil startups locais, ficaram com uma parcela bem polpuda do bolo: 35%. O valor dos aportes em fintechs em 2021 até agora passou dos R$ 17,5 bilhões (ver tabelas abaixo).

Mas, ainda assim, os investidores seguem de olhos e ouvidos atentos a essas estrelas nascentes das finanças. Segundo entrevistados, as razões são muitas: mercado de crédito no Brasil ainda é muito ineficiente e concentrado em poucos bancos tradicionais, a bancarização avançou mas ainda está bem abaixo do ideal, o Banco Central apoia o segmento com iniciativas como a do sandbox regulatório, PIX e Open Banking. E as inovações trazidas pelas fintechs fazem com que o sistema financeiro se transforme como um todo e crie muitas oportunidades no país.

Meta: US$ 100 bi

Em janeiro de 2021, ao receber US$ 400 milhões dos investidores globais GIC, Whale Rock e Invesco, o Nubank já havia mais do dobrado o valuation desde a rodada de financiamento anterior, em julho de 2019: avaliado em US$ 25 bilhões, passou à frente de instituições tradicionais, como o Banco do Brasil e o BTG Pactual, por exemplo. Depois do Buffet, estaria valendo US$ 30 bilhões, ou seja, triplicou o valuation em dois anos. Agora, o maior banco digital do mundo em número de clientes pretende abrir o capital na bolsa eletrônica Nasdaq valendo entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões. O que significa, hoje, 60 vezes a sua receita.

“Sem dúvida, alguns cases incríveis de startups que viraram gigantes, como Nubank, XP e Mercado Bitcoin, deixaram os investidores acostumados com retornos em múltiplos de 40, 50 vezes”, diz Marcos Travassos, CEO da MoneyMoney, que tem mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro e especialização em valuation. “Nem toda fintech tem essa capacidade – na verdade, muito poucas”, pondera. Mas, segundo ele, várias outras oportunidades também podem dar retorno excelente para o investidor, sem ter números tão grandiosos.

Para o líder da Bossa Nova Investimentos, João Bezerra, o que tem validado o modelo de investimento em fintechs no tempo é o fato de que algumas delas têm sido adquiridas por players maiores que passam a adotar suas soluções de maneira massiva.

Supervalorização X preço justo

Existem alguns motivos que contribuem para o aumento das valuations das fintechs. Semi Kim, gestor na Nébula, “berçário de estrelas” da gestora Estáter, pontua algumas delas:

  • validação de mercado da solução: antes tudo era novidade, logo, ainda eram necessárias validações de modelos, atualmente isso já não é necessário;
  • curva de adoção: o usuário já está acostumado em ter outra escolha que não os bancos tradicionais, o medo de falta de segurança já passou e a adoção está cada vez mais comum;
  • média de mercado: com o aumento da quantidade de fundos e investidores, consequentemente com o aumento da liquidez devido a queda dos juros, essa liquidez tem crescido mais que a oferta, elevando preços.

Segundo Kim, no ambiente de startups, o conceito de preço justo é bem difícil de calcular, pois a avaliação leva em conta tanto dados objetivos, como receita, CAC (custo de aquisição do cliente), taxa de rotatividade, entre outros, quanto os dados subjetivos, como o timing, o time, a ideia, a concorrência, a experiência, o networking. “De nada adianta ser inovador se ainda não existe o mercado – em muitos casos pode ser muito custoso abrir um novo mercado -, ou ter uma ideia boa com um time ruim. A única certeza do investidor é que tudo que você vendeu não vai ocorrer da forma que você apresentou”, diz o gestor da Nébula.

Vale da morte

O professor do Insper, Ricardo Humberto, também aponta dificuldades para se fazer a avaliação de uma startup em início da sua operação, quando ela tem basicamente um plano de negócio, o registro de um domínio e o depósito de uma marca. “Tenho um carro que precisa de combustível, então eu encho o tanque daquele carro e vejo quantos quilômetros ele anda. É isso que a gente faz numa startup inicial, ver se a tese de investimento está em pé, avalia custo de aquisição de cliente, mas não dá para fazer valuation e projetar fluxo de caixa porque a empresa não gera esse fluxo de caixa ainda”, diz o professor.

Segundo Humberto, a definição de um valuation se dá quando a startup atravessa o vale da morte e começa a receber dinheiro de um venture capital. Ele explica que a partir desse aporte de capital de risco, já é possível começar a usar técnicas mais tradicionais de valuation, projetar fluxo da caixa, calcular taxa de desconto e trazer a valor presente. “Mesmo assim, a tese de investimento, a qualidade do CEO, o fundador, e o que se agrega de tecnologia, não só em termos de cloud (ele se refere aqui a tecnologias mais leves, rápidas e mais baratas) mas de processo, é o que vai fazer a diferença”, afirma. Para ele, tem empresa barata e cara, mas a grande aposta dos investidores de risco é se o modelo de negócio de fato vai gerar escalabilidade.

Cautela e caldo de galinha…

Para Bezerra, da Bossa Nova, a necessidade de investimento intensivo em tecnologia leva o valuation das fintechs early stages realmente serem mais elevados quando elas procuram o venture capital. “Os founders precisam manter seu captable na partida. Não dá para entregar controle majoritário da fintech de cara, ou ficarão fora no melhor do jogo”, avisa Bezerra. Para ele, o que importa nesse negócio é a capacidade de essas fintechs dobrarem ou triplicarem de valor em curto prazo , de 24 a 36 meses.

Travassos concorda com Bezerra e vai além. “Às vezes, para o founder, fixar valuation alto na primeira captação pode limitar o cardápio de investidores nas demais rodadas”, alerta. Geralmente, quando uma fintech precisa de investimento, ele vem na forma de compra da participação da fintech/startup pelo investidor em troca de valuation – a opção é tomar dívida no mercado, que envolve muito risco. Na sua opinião, o melhor que o founder e sua equipe podem fazer é calcular o volume de dinheiro que precisam para, assim, avaliar qual o melhor tipo de capital trazer para dentro da empresa.

Marcos Travassos, MoneyMoney (esquerda); João Bezerra Leite, Bossa Nova (acima, no centro); Ricardo Humberto, Insper (abaixo, no centro) e Semi Kim, Nébula

Congestionamento de unicórnios

Investidores e especialistas ouvidos pelo portal apostam na manutenção do fluxo de investimentos nas fintechs brasileiras. Segundo Kim, esse fluxo vai continuar principalmente por causa da crescente aceitação e adoção, com cada vez mais unicórnios surgindo. “Com a divulgação e abertura de acesso a esses investimentos, a demanda tende a aumentar, e o nicho de fintechs sempre é um dos alvos preferidos, pois é um dos mais fáceis de entender e a grande maioria consegue sentir as dores que essas startups tentam resolver”, diz Kim.

O professor Humberto chama a atenção para os problemas que temos pela frente no país, que ele divide em dois núcleos: o político, que vai se estender por um ano, e o outro, a pandemia. “Até novembro, a grande maioria dos brasileiros estará vacinado e aí poderemos comprovar de fato o quanto essas vacinas são eficazes em termos de restringir a circulação até de novas variantes, e a gente retoma dentro de uma normalidade de potencial de crescimento”, analisa.

Se essa normalidade aponta para a atração de novos e polpudos aportes no Brasil, é o que veremos. Travassos também está otimista, especialmente ao levar em conta o gigantismo do mercado de empresas do segmento que ainda vão virar unicórnios. “Costumo brincar com os amigos que ainda vamos ver congestionamento de unicórnios na Faria Lima”, diz Tavassos, ao se referir à famosa avenida paulistana, que é o point das fintechs.


Foco dos investidores

Nos últimos 12 meses, os fundos de venture capital injetaram R$ 20,4 bilhões em recursos nas fintechs brasileiras, segundo dados divulgados no portal Fintechs Brasil. Grande parte desse volume, R$ 17,5 bilhões, chegou nos primeiros nove meses deste ano de 2021, sendo que apenas quatro fintechs (Nubank, C6, Ebanx e Mercado Bitcoin), embolsaram mais da metade do total do dinheiro no período.

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