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Cautela e caldo de galinha: fintechs adiam adesão ao Open Banking à espera da 'hora certa'; especialistas listam prós e contras

Denise Ramiro

O Open Banking já escalou à terceira fase, mas continua em período de ajustes. A maioria das fintechs, cuja adesão é opcional, ainda está fora do sistema financeiro aberto e de compartilhamento de dados dos clientes.

A pedido do portal Fintechs Brasil, consultores especializados em fintechs se reuniram para debater porque os grandes players do segmento, como Nubank, Stone e Inter, ainda estão de fora da grande novidade do Banco Central dos últimos tempos, junto com a criação do Pix. Existem inúmeros desafios, mas esperar o caminho ser desbravado e pavimentado pelos bancos pode resultar em perda de market share.

No geral, os especialistas ouvidos vêem no Open Banking uma grande oportunidade de negócio para as fintechs. Mas entendem a cautela da maioria delas em relação à adesão, que é facultativa – com exceção da fase 3 em vigor desde 29 de outubro, que ainda passa por ajustes técnicos.

Para Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia, consultoria focada em pagamentos, crédito e fidelização, esses grandes players estão focados em outras prioridades. “Cada um deles têm prioridades que atrasam sua entrada no Open Banking, que é complexo, em termos de desafios tecnológicos e de adaptação, mas tem vantagens enormes depois”, diz Freire.

No prospecto preliminar do IPO o Nubank fala positivamente do Open Banking, mas o tempo todo no condicional “se entrar”. O material aborda ainda os riscos que existem para a fintech, como o fato de abrir espaço para que outras instituições financeiras tenham acesso às informações da sua base de 40 e tantos milhões de clientes – exatamente o objetivo do BC com o Open Banking.

No documento, o Nubank também alerta sobre o fato de o Open Banking estar apenas começando, precisa ainda de mais definição do regulador, até de autorregulação — siso vale para o Brasil e para os outros países onde está presente, como México e Colômbia. Na opinião de Freire, a visão do Nubank é cautelosa – vão esperar para ver e vão entrar quando fizer sentido.

O mesmo parece estar acontecendo com Stone e Inter. “No caso da Stone, que já está com capital aberto nos Estados Unidos há algum tempo, também há outras prioridades, como os problemas sérios que teve de crédito para estabelecimentos comerciais, créditos não performados, o que ocasionou grandes perdas no último trimestre. Eles tiveram que cuidar dessa agenda, que é muito sensível”, diz Freire.

A Stone não declara essas razões de maneira explícita; fala em foco no fortalecimento de novas tecnologias, em futuras mudanças, um discurso mais genérico – embora tenha confirmado para o portal a intenção de aderir integralmente ao Open Banking.

O Inter não respondeu ao nosso pedido de entrevista. A sua posição até agora é a de entrar quando for obrigatório, por enquanto diz que é uma fintech. “Eles estão fazendo reestruturação societária, no Brasil e bolsas no exterior”, avalia Freire.

“É compreensível essa cautela, mas ao mesmo tempo, é uma perda de oportunidade, uma falta de visão de tomar isso como um diferencial competitivo e se posicionar de uma maneira relevante nesse segmento, nesse mercado , nessa vertente, na realidade, que vai ser transformadora, que o Open Banking vai trazer”, conclui.

Palavra de especialista

No bate bapo entre consultores, provocado por Fintechs Brasil, ficaram evidentes as vantagens e desvantagens para as fintechs em relação ao Open Banking. Leia a seguir o que pensam cinco deles, que preferiram não se identificar.

“Os neobanks têm foco nos novos entrantes no mundo financeiro, millenials, que não têm conta em outras instituições. Eles querem estabelecer novos relacionamentos muito mais do que ‘roubar’ clientes dos bancões. Por outro lado, quando os bancões estiverem totalmente azeitados no mundo digital, poderão ‘roubar’ os clientes dos neobanks.”

“Aprender com os erros e dificuldades dos que têm entrada obrigatória no Open Banking, ao invés de alocar recursos para “errar junto” – esta parece ser a estratégia das fintechs. Usar os recursos disponíveis para seguir dando foco aos projetos atuais e poder pescar primeiro no lago dos bancões me parece um movimento ‘natural’. Além disso, os neobanks começaram com foco no longtail, então não terão tantas vantagens assim em converter receitas com os peixinhos do aquários atuais deles – com exceção ao NEXT-Bradesco e ITI-Itau.”

“Tem uma informação bem desatualizada e enviesada em relação a essa discussão. Na verdade, ninguém devia ser obrigado a entrar no Open Banking. O sistema é uma agenda que vai dar empoderamento para o cliente e o mercado deveria caminhar livremente para isso, por demanda do próprio cliente na medida que dá liberdade pra ele e dá opção. A tendência é os clientes pressionarem para que haja adesão. O BC exigiu apenas a adesão dos maiores, para formar uma primeira massa crítica para movimentar o mercado. Ele se movimentou para que a coisa acelerasse numa adesão mais rápida. Em outras jurisdições isso nem aconteceu. E isso só na fase 1 e 2, que já aconteceram. Na fase 3, todos são obrigados a entrar, o que particularmente sou contra. Então todo mundo, banco pequeno, médio e grande, IPs de maneira geral são obrigados a entrar.”

“Não entraram também porque não conseguiram, várias IPs queriam entrar, mas a agenda técnica era pesada, prazos muito curtos, então muitos preferiram observar, fazer a lição de casa, arrumar suas arquiteturas, legados e tal para entrar no momento adequado. Não é uma posição de se esconder, até porque o Nubank sabe que é uma tremenda vantagem competitiva para quem tem plataforma digital; estar no Open Banking é uma questão de agenda ou de estratégia de entrar no melhor momento com uma solução que de fato atraia mais. Grandes players do segmento de fintechs participaram de pockets, testes ou seja, as equipes estavam mobilizadas. Só não conseguiram entrar a tempo.”

“Todos vão acabar entrando. Basta alguns inovadores entrarem para o mercado andar. Mas claro que forçando os ‘grandes’ acelera a adesão, porém não estimula necessariamente a inovação. Os mais espertos já entenderam que existe mais oportunidade do que ameaça, a maior ameaça é sempre de quem não acompanha a evolução. As fintechs são as mais engajadas na transformação e disrupção do mercado e sabem que são as que mais tem potencial para continuar crescendo através da inovação e competição aberta.”

Palavra de fintech

O Nubank enviou nota informando que já aderiu ao Open Banking e que a primeira solução, que está atrelada à Fase 3, permitirá que clientes pessoa física e jurídica façam pagamentos e transferências via Pix a partir de outros ambientes utilizando o saldo da conta do Nubank. “Já estamos trabalhando para criar, gradualmente, novas soluções que se beneficiem do Open Banking para facilitar a vida dos clientes. Nossa prioridade é garantir uma experiência simples, segura e que traga benefícios tangíveis no dia a dia”.

A Stone, fintech focada em meios de pagamento, disse também em nota que “participa da discussão do Open Banking desde a primeira consulta pública do BCl e, no último ano, por meio da associação da qual faz parte, Abipag, também contribui com o processo de implantação por meio do Conselho Deliberativo do Open Banking. Como Instituição de Pagamento (IP), participará da terceira fase da regulação (referente a iniciação de pagamento, obrigatória para IPs)”. E mostrou intenção de aderir ao sistema de compartilhamento de dados. “Assim que outras frentes regulatórias tiverem sido inteiramente completadas, a Stone também participará da parte da regulação que diz respeito ao compartilhamento de dados, na qual poderá, com o consentimento do usuário final, ter acesso a informações que hoje estão sob inteira custódia dos bancos e que nos permitirão ofertar mais serviços e produtos.”

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