Bolsa de Valores das Favelas estreia com startup de entregas; o banco digital G10 e a fintech Silicon Pay já estão na fila do IPO

Lançada em 19/11, a nova Bolsa busca ampliar as fontes de financiamento a startups de comunidades carentes, objetivo também traçado pelo fundo Investe Favela

Dario Palhares

Desde o último dia 19/11, véspera da data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, a B3 passou a encarar sua primeira “concorrente” em quase 20 anos: a Bolsa de Valores das Favelas. A inauguração foi parte da Slum Summit — um encontro para debater o potencial econômico das comunidades brasileiras.

Ancorado na Instrução 588/2017 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulamenta as emissões de papéis por negócios de menor porte em plataformas digitais (equity crowdfunding), o empreendimento é uma iniciativa do G10 Favelas, grupo formado pelas dez maiores comunidades do país.

Nas primeiras semanas de atividades, a nova bolsa terá três empresas listadas, selecionadas de um grupo de 18 startups com potencial para realizar ofertas públicas iniciais (IPOs, no acrônimo em inglês) – todas da favela de Paraisópolis, em São Paulo, com cerca de 120 mil habitantes.

Luciano Huck, Luiza Helena Trajano e o prefeito de SP Ricardo Nunes assistem Giva, da Favela Brasil Xpress, tocar o sino de estreia na Bolsa (Foto: André Silva / Agência Cria Brasil)

Os investidores poderão adquirir títulos a R$ 10 cada na plataforma Divi-hub, parceira do G10 Favelas no projeto, que lhes darão direito a participações nas receitas das companhias por prazos determinados. As transações dos papéis no mercado secundário, no entanto, só serão possíveis após a revisão da Instrução 588, que deverá ser concluída pela CVM no próximo ano.

Black Friday

“A primeira empresa listada será a Favela Brasil Xpress, que se prepara para realizar entregas de 200 mil pacotes em Paraisópolis na próxima Black Friday. Logo a seguir, a Bolsa passará a contar com o G10 Bank Participações e o Supermercado Brasileiríssimo”, conta Gílson Rodrigues, presidente do G10 Favelas e da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis.

A intenção é adicionar um novo negócio a cada semana – de Paraisópolis e de outras comunidades do país, ligadas ou não ao G10 Favelas, como a fintech carioca das “maquininhas do povo” Silicon Pay. As demais integrantes do G10, por sinal, já estão fazendo levantamentos de startups com condições de se candidatar à Bolsa de Valores das Favelas.

Gílson Rodrigues/G10Bank (foto: José Barbosa/Agência Cria Brasil)

Dois fatores tiveram pesos decisivos para a criação do pregão voltado a empresários de núcleos urbanos carentes, que teve direito, em sua inauguração, ao tradicional toque de sino dos IPOs. O mote principal do G10 Favelas foi a necessidade de incentivar o empreendedorismo nas comunidades, para compensar o elevado nível de desemprego no país. Em razão da pandemia da Covid-19, o indicador saltou de 11,9% para 13,5%, entre 2019 e o ano passado, e agora se encontra em 13,2% – o que corresponde a 13,7 milhões de cidadãos. Além disso, observa Rodrigues, era preciso buscar opções de financiamento para as startups já estabelecidas.

“Volta e meia, aparecem investidores anjos, aqui e em outras comunidades, propondo aportes de R$ 1 milhão em troca de fatias de 50% ou mais de empresas promissoras. Com a Bolsa do G10, os empreendedores de favelas poderão contar com recursos para tocar suas operações sem abrir mão do controle acionário”, diz o dirigente. “A expectativa é de que as três primeiras emissões somem cerca de R$ 15 milhões, obedecendo o limite de R$ 5 milhões por operação. As demais 13 candidatas a IPOs de Paraisópolis têm condições de captar pelo menos R$ 1 milhão cada.”

“Last mile”

Pioneira do novo pregão, a Favela Brasil Xpress periga se tornar um unicórnio a curto prazo. O negócio, que acaba de conquistar o Prêmio BBM de Logística na categoria startup, surgiu pelas mãos do jovem paraibano Givanildo Pereira, o Giva, de 21 anos. Sua família se estabeleceu em Paraisópolis no início da década passada.

A ideia surgiu em setembro de 2020, durante o período crítico da pandemia do novo coronavírus, com o crescimento exponencial da demanda reprimida na comunidade por comércio virtual, devido a temores dos vendedores de contaminação das equipes de transportes de mercadorias e inexistência de CEPs nas vias de Paraisópolis – além, claro, de muito preconceito.

Giva tratou, então, de criar uma base operacional na favela, em área com CEP e de fácil acesso para caminhões das transportadoras, e passou a responder, a partir de abril último, pelo trecho final de entrega de produtos de até 30 quilos.

“O trabalho é executado, em sua quase totalidade, por moradores de Paraisópolis, que levam as encomendas aos domicílios com bicicletas e um triciclo elétricos”, diz Giva, que vem faturando por volta de R$ 200 mil por mês com referência nas entregas realizadas, com um grau de 98,8% de êxito – bem acima da média do setor de logística. “O respeito ao meio ambiente segue firme na gestão da nossa frota, que será reforçada em breve com a chegada de dois automóveis elétricos.”

Giva, da Favela Brasil Xpress

A proposta da startup ganhou escala rapidamente. De seu berço original, a Favela Brasil Xpress expandiu sua atuação para outras seis comunidades – Heliópolis, Cidade Júlia, Capão Redondo e Diadema, na Grande São Paulo; Rocinha e Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro – e atingiu, neste mês, a marca de 160 mil entregas realizadas desde abril, com uma média diária atual de 2,5 mil operações.

“Paraisópolis responde por cerca de um terço desse volume, o que corresponde a pacotes com valor total ao redor de R$ 500 mil entregues a cada dia”, assinala Giva, que projeta um aumento significativo dessa cifra para os próximos meses, como resultado de uma nova parceria de peso, em todos os sentidos. “Vamos iniciar um programa piloto, com a Via (o novo nome da Via Varejo), contemplando entregas de produtos de maiores dimensões, como fogões e geladeiras.”

Hoje com 90 funcionários, dos quais 41 com carteiras de trabalho assinadas, a empresa já presta serviços para nomes de destaque do varejo (além da Via, Americanas e Dafiti), e mantém acordos operacionais com a Total Express e a M3 Storage, do ramo de logística.

Via, Americanas, Dafiti e Amazon

A lista de parceiros tende a crescer. Giva, que recebe uma média diária de duas consultas de empresas, está prestes a concluir quatro negociações. “Estamos conversando, por exemplo, com a Amazon, que não tem preconceitos em relação a favelas. Tanto que inaugurou, recentemente, um centro de distribuição em uma comunidade em Tijuana, no noroeste do México”, diz ele.

Os planos do Favela Brasil Xpress são ousados. Até o fim do ano, a startup pretende fincar sua bandeira em mais quatro localidades carentes: o complexo do Jardim Teresópolis/Santo Antônio, em Betim (MG); a Casa Amarela, em Recife; o Coroadinho, em São Luís; e a Baixada do Juruna, em Belém.

O grande salto, no entanto, vai ocorrer na próxima temporada, com investimentos em sistemas de monitoramento, torres de controle, aplicativos para entregas e, sobretudo, nas aberturas de 50 novas bases operacionais em todo o país, com alguns pontos já definidos, casos dos complexos do Alemão e da Maré, no Rio de Janeiro, da favela do Condor, em Belém, e do Jardim Vietnã, na zona sul de São Paulo.

“Para financiar esse crescimento, a ideia é captar o máximo permitido atualmente pela CVM, ou seja, R$ 5 milhões”, diz Giva. “Vamos incentivar os moradores das comunidades, que são atendidos pela nossa empresa, a se tornarem investidores.”

Conveniência eletrônica

O apetite do Brasileiríssimo por recursos do mercado é da mesma ordem de grandeza. O supermercado fez sua estreia há quatro meses com a inauguração, em Paraisópolis, de seu primeiro ponto.

O ponto tem uma modelo que já começa a pipocar em condomínios de moradores de renda média e alta, mas nunca antes explorado em comunidades com renda mais baixa: uma loja autônoma, sem equipe de atendimento ao público. Os consumidores cadastrados respondem por tudo: da abertura da porta, por meio de um aplicativo onii que lê código QR, ao escaneamento dos produtos selecionados e, por fim, pelo pagamento da fatura.

“Como garantia, contamos com um sistema de câmeras, que registra todos os movimentos dos fregueses”, diz o sócio Daniel Silva Cristóvão. “O ponto vem fazendo sucesso, já que, na prática, é uma loja de conveniência eletrônica que permite o acesso a qualquer hora do dia ou da noite. Nos fins de semana, por exemplo, reforçamos os estoques de cervejas, para saciar a sede do pessoal na madrugada.”

Crias do G10 Hub Escritório de Negócios, Cristóvão e seu sócio, Eduardo Santos Castro, abriram, em setembro, sua primeira unidade convencional na comunidade, que funciona até as 22 horas.

Contando com os serviços da Favela Brasil Xpress, o estabelecimento tem como principal diferencial a realização de entregas, inclusive em bairros vizinhos, em prazos por volta de cinco minutos.

A programação para os próximos meses prevê mais lojas autônomas em Paraisópolis – equipadas com a mesma tecnologia da original, desenvolvida pela startup eeglo – e a exploração de outras frentes de atuação. O Brasileiríssimo está em contagem regressiva para desembarcar na comunidade de Heliópolis, em São Paulo, com um ponto convencional e outro autônomo, e prepara a instalação de um escritório em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte.

“A meta traçada para 2022 prevê de cinco a dez novas lojas em cinco favelas, projeto que resultará na ampliação do nosso quadro de pessoal de 12 para até 56 funcionários”, diz Cristóvão, que, claro, já faz contas para financiar a expansão.

“Cada um dos novos pontos demandará investimentos na faixa de R$ 700 mil a R$ 800 mil. Poderemos realizar emissões graduais de títulos na Bolsa de Valores das Favelas, mas o ideal seria captar R$ 5 milhões logo no IPO.”

G10 Bank, o decano

Decano do trio de calouros de Paraisópolis no mercado de capitais, o G10 Bank Participações ainda não havia batido o martelo até a última quinta-feira (18/11) sobre o montante almejado no processo de “abertura de capital”.

No entanto, segundo Rodrigues, o CEO, o mais provável é que a captação inicial se situe, no mínimo, muito próxima ao teto de R$ 5 milhões estabelecido pela CVM. “Recebemos propostas de aportes de recursos até maiores, mas optamos pela captação por meio da bolsa do G10 Favelas, que poderá ser feita ao longo de etapas”, diz ele.

Fundado há um ano, com capital inicial de R$ 1,8 milhão, o negócio do banco digital é voltado, assim como a Bolsa de Valores das Favelas, ao fornecimento de funding para empreendedores de comunidades, que enfrentam grandes dificuldades para obter crédito junto ao sistema financeiro tradicional.

A carteira de clientes tem 87 empresas, entre as quais o Favela Brasil Xpress, que contraiu um empréstimo de R$ 10 mil e recebeu, de quebra, o apoio de mentores do G10 Bank. A concessão de financiamentos é avalizada, de maneira informal, pelos presidentes de rua de Paraisópolis, equipe de 658 voluntários, 80% do sexo feminino, formada a partir de março do ano passado em razão da eclosão da pandemia da Covid-19, para prevenir contágios e garantir atendimento aos moradores.

“Estamos desenvolvendo várias ações de formação e capacitação para os presidentes de rua, que monitoram, em média, 50 domicílios cada um. Em breve, eles formarão a maior rede de professores de educação financeira do país”, diz Rodrigues.

Com população equivalente à de Paraisópolis, as 13 comunidades do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, também prometem injetar muito gás na Bolsa de Valores das Favelas. Dos cerca de dez mil negócios da região, o líder comunitário Reginaldo Lima crê que pelo menos 40% tenham condições de aderir à iniciativa.

“Durante a crise gerada pela pandemia, surgiram aqui vários negócios com propostas inovadoras”, diz ele. “Contamos hoje com startups em ramos como alimentos, beleza e mobilidade urbana, e até alguns hubs de tecnologia.”

“Maquininha do povo”

Três fortes candidatos do Alemão e das imediações ao pregão do G10 Favelas são o Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção (Educap), a Silicon Pay e a Kurandé, fabricante de dermocosméticos com alcance nacional, que, na avaliação de Lima, tem tudo para se transformar na “Natura das favelas”.

Baseada em Duque de Caxias, a Silicon Pay vem nadando de braçada no Alemão e em outras zonas periféricas da Grande Rio, como Nilópolis, Vila do Pinheiro e o Complexo da Maré. Especializada em meios de pagamento, a fintech foi criada há três anos pelo marqueteiro Hugo Miranda e mais dois sócios, que não demoraram a pular fora da canoa.

Suas desistências foram causadas pelo fiasco que foi a investida inicial da empresa, focada em comerciantes de malhas de Duque de Caxias. Sozinho, Miranda tratou, então, de bater pernas pelas ruas do município para oferecer suas maquininhas para camelôs, micro e pequenos comerciantes, público solenemente desprezado pelos grandes players do segmento.

“Foi o início da decolagem da Silicon Pay”, diz ele. “Nessas andanças, descobri que vários desses empreendedores, que em boa parte não contam nem com CNPJ, têm faturamentos expressivos, alguns até acima de R$ 100 mil mensais.”

Hugo MIranda, Silicon Pay

Desde então, Miranda vem centrando a sua estratégia de abordagem em camelôs, pequenas farmácias e churrascarias, colégios, pasteleiros e quituteiros, entre outros negócios populares. Como resultado, sua carteira saltou de algo de 300 clientes, no final de 2019, para quase 700, que respondem atualmente por um movimento mensal de 3,5 milhões, com viés de alta.

“O estoque de ‘Maquininhas do Povo’, como batizamos os nossos terminais, soma em média 30 aparelhos. Mas temos de providenciar reforços quase que semanalmente, para atender à forte demanda”, diz ele.

O objetivo da startup para o próximo ano é multiplicar por dez o volume diário negociado por suas maquininhas com a ampliação do seu raio de ação para outros pontos do Estado do Rio de Janeiro, como Macaé, Cabo Frio, Campos dos Goitacazes e Volta Redonda.

Além disso, Miranda planeja, também para breve, iniciar a oferta de linhas de microcrédito para seus clientes miúdos. Ele já conta, inclusive, com um bom leque de propostas de bancos e financeiras nesse sentido.

“As instituições de crédito tradicionais começam, aos poucos, a descobrir o enorme potencial de negócios dos empreendedores informais e de pequeno porte. Só na cidade do Rio de Janeiro e nos municípios da Baixada Fluminense, por exemplo, eles respondem por transações ao redor de R$ 16 bilhões por ano”, assinala o fundador e CEO da Silicon Pay, que já se prepara para realizar o IPO na Bolsa de Valores das Favelas. “Vou brigar com o meu amigo Daniel Caravetti, que é cofundador do G10 Favelas, se não formos aceitos no novo pregão”, brinca Miranda.

A adesão da fintech fluminense garantirá ainda mais prestígio para a bolsa do G10 Favelas. Afinal, ela é uma das três primeiras contempladas pelo Investe Favela, fundo de investimento de capital empreendedor constituído no início ano passado por um grupo de nove empreendedores e mentores ligados à Endeavor Brasil, aceleradora de negócios de alto impacto que garantiu, só em 2020, R$ 10,5 bilhões em receitas agregadas às empresas apoiadas.

Além da Silicon Pay, que recebeu um aporte de R$ 158 mil, o Investe Favela injetou cerca de R$ 240 milhões somados na FMB Banda Larga, que oferece acesso à internet por fibra ótica e a preços reduzidos para favelas e zonas carentes do Rio de Janeiro, e no Ecco Ponto Brasil Sustentável, conduzido por catadores de materiais recicláveis da Grande Rio.

Alfabetização na varanda

Criado há 13 anos pela paraibana Lúcia Cabral, o Educap migrou da varanda da casa de sua fundadora, que ministrava cursos de alfabetização e de reforço escolar no local, para oito contêineres instalados no antigo canteiro de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no Campo do Sargento. “A mudança foi fruto de uma parceria com o governo britânico, que comprou e nos doou o terreno e seis contêineres”, conta o programador Paulo Henrique Oliveira Cabral, filho de Lúcia e diretor do Educap.

Graças ao apoio de empresas privadas, casos de Unilever, Casa & Vídeo, Stone e Harvesting, a instituição de ensino, na nova sede, ampliou a sua grade de cursos, que contempla hoje, entre outras, as áreas de línguas, música, corte e costura, esportes e um pré-vestibular.

Paulo Henrique Oliveira, Educap

Um dos reforços mais recentes no cardápio da casa é o Informatizando, que desde 2019 capacitou quatro turmas de jovens a lidar com tecnologias digitais. Depois de lançar o primeiro módulo, com quatro meses de aulas, Paulo decidiu criar um segundo, voltado especificamente para programação, com duração de até nove meses.

“A grade do segundo módulo é focada em desenvolvimento de front-end, mas já estamos pensando em criar um curso de programação em back-end, que é uma atividade bem mais complexa. Também estamos à procura de um professor para lançar um módulo centrado em games, especialidade que desperta muito interesse entre os jovens”, diz ele.

Todos os cerca de 15 programadores formados pelo Educap estão na ativa no segmento digital. Com seus certificados de conclusão do curso chancelados, de quebra, pela Dadoteca, desenvolvedora de softwares de inteligência de negócios controlada por um amigo de Paulo, vários deles conquistaram empregos na consultoria 1sti e em uma fornecedora da Petrobras. Os demais militam em empresas menores ou tocam seus próprios empreendimentos.

“Como a demanda por programadores é muito intensa, planejamos tomar a iniciativa de oferecer os programadores preparados aqui no Educap diretamente para potenciais interessados”, diz Paulo.

O projeto tende a ganhar massa crítica no próximo ano com o início das atividades, em janeiro, de uma nova turma de futuros programadores. A próxima “safra”, já é certo, será recorde, pois o Educap conseguiu elevar a capacidade de atendimento, com o apoio do Grupo Proa, do Morro do Prazeres, que vai bancar equipamentos, acesso à internet e um professor, que dará aulas virtuais. “As inscrições já estão abertas. Serão oferecidas 40 vagas, 20 de manhã e 20 à tarde”, diz Paulo. “Vamos garantir, assim, bons empregos para mais jovens do Complexo do Alemão.”

Endeavor das favelas

“A proposta do Investe Favela é se tornar, a longo prazo, uma Endeavor das favelas. A ideia é que os empreendedores dessas comunidades, que contam com pouco capital anjo, se tornem investidores e mentores de novos negócios em seus ecossistemas”, diz a CEO da Investe Favela Participações, Liza Simões.

O fundo foi idealizado por Eduardo Ourivio, cofundador do Grupo Trigo, que acaba de reforçar o seu estoque de redes de restaurantes – antes formado por Spoleto, Koni, LeNonton e Gurumê – com as aquisições da China in Box e da Gendai.

Sempre atento à cultura popular e as questões sociais do Rio, o empresário carioca conheceu, há muitos anos, Reginaldo Lima ao prestar apoio ao AfroReggae, grupo cultural no qual o líder comunitário do Complexo do Alemão atuava como coordenador de parcerias institucionais.

Liza Simões. Investe Favela Participações
Liza Simões. Investe Favela Participações

A afinidade se estendeu aos negócios. “O Reginaldo se tornou um dos mentores do Investe Favela, ao lado do Gílson Rodrigues, de Paraisópolis”, diz Liza. “Eles vêm nos ajudando a identificar startups de alto impacto no eixo Rio-São Paulo.”

Em seu primeiro ano de operações, o fundo atendeu 35 empreendimentos, dos quais cerca de 15 foram submetidos a programas de aceleração. Para alavancar os desembolsos de recursos, o Investe Favela lançou, em setembro, o edital “Asfalto Morro Acima”, acenando com cheques de R$ 120 mil para até nove startups de todo o país.

A convocação, que será encerrada na próxima sexta-feira (26/11), já soma 220 inscrições – 50% de jovens empresas do Sudeste, 35% do Nordeste, 7,5% do Norte e o restante do Sul e do Centro-Oeste. No total, já foram triadas 190 candidatas, das quais 110 passaram para próxima fase, quando serão entrevistadas por mentores e receberão notas por seus padrões e métodos de gestão.

Na etapa seguinte, os trabalhos terão por meta orientar as startups para a apresentação à banca avaliadora, que deve ocorrer o fim de janeiro de 2021 e contará, após uma derradeira peneirada, com 27 finalistas. “As vencedoras, contudo, serão escolhidas por votação popular, pela internet”, observa Liza. “Os prêmios serão pagos em quatro parcelas, mediante o cumprimento de objetivos predefinidos.”

Surpreso com a fila de interessados, o Investe Favela decidiu adotar definitivamente os editais como sua principal ferramenta para a identificação de startups promissoras. A intenção, segundo a sua CEO, é realizar de uma a três chamadas a cada temporada.

Recursos não vão faltar, já que o fundo se prepara para captar até R$ 20 milhões no mercado junto a pessoas físicas e jurídicas. “Queremos mostrar a investidores em geral que os morros contam com negócios de grande potencial de retorno, que merecem ser considerados pela população do asfalto”, resume Liza, parafraseando os versos de uma das mais célebres canções de Moraes Moreira (1947-2020): Quem desce do morro não morre no asfalto/ Lá vem o Brasil descendo a ladeira…”.

G10 Favelas bate Maré na corrida pela bolsa de valores

O mercado de capitais entrou na pauta das favelas há cerca de dois anos. A primeira tentativa para viabilizar a captação de investimentos por empreendedores de comunidades urbanas carentes foi a Bolsa da Maré, idealizada pela fintech carioca Banco Maré, instalada no complexo de mesmo nome, que até o momento não recebeu sinal verde da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Mais efetivo, o G10 Favelas conseguiu transformar em realidade, em poucos meses, o seu pregão virtual. “Iniciamos as conversações sobre a Bolsa de Valores das Favelas com uma grande empresa por volta de janeiro”, conta Gílson Rodrigues, presidente do G10 Favelas. “Logo a seguir, contudo, a venda do controle acionário desse parceiro nos obrigou a procurar outras opções.”

O plano foi retomado em clima, literalmente, de bom humor com a plataforma Divi-hub. Em meio às negociações com a empresa de uma operação de crowdfunding para viabilizar um programa de estímulo a um grupo de 12 comediantes da favela de Paraisópolis – o Stand Up Favela, a cargo do humorista Fábio Rabin –, o líder comunitário decidiu abrir uma nova frente de captação.

“Há cerca de dois meses, o Gílson disse que o G10 queria realizar ofertas públicas de empresas das suas comunidades conosco”, conta Ricardo Wendel, fundador e CEO da Divi-hub, que estruturou o trabalho graciosamente. “Ficamos surpresos, claro, mas a proposta do G10 Favelas, diga-se, é absolutamente coerente. Para os moradores de Paraisópolis, por exemplo, faz muito mais sentido investir no Favela Brasil Xpress, que faz parte do seu dia a dia, do que numa Vale.”

Gestada a partir de 2018 na San Jose State University, no Vale do Silício, a plataforma, que recebeu, em setembro, um aporte de US$ 2,4 milhões da Comstar International, dos Estados Unidos, tem como proposta a monetização dos “likes” distribuídos pelos usuários das redes sociais.

A chegada da startup de Paraisópolis abre, sem dúvidas, novas perspectivas para o negócio – antes centrado em projetos de investimento ancorados em influenciadores digitais e artistas –, mas em nada altera o seu modus operandi, ditado pela ICVM 588.

“As captações devem atingir dois terços do objetivo traçado em até seis meses e dão direito a participações nas receitas e, mais raramente, nos lucros dos emissores”, diz Wendel, que contabilizava, até antes do recente IPO, uma captação média de R$ 110 per capita de um total de 6,6 mil CPFs. “No caso das empresas ligadas ao G10 Favelas, a ideia é começar com receitas  compartilhadas e depois partir para operações com direitos a fatias dos resultados alcançados.”

Como a nova bolsa de valores não é restrita aos “sócios” do G10 Favelas, o empresário acredita numa forte demanda de outras comunidades pelo mercado de capitais. Até o momento, não surgiram consultas. No entanto, logo após a divulgação das primeiras informações sobre o IPO em Paraisópolis, a média diária de visitas ao site da Divi-hub saltou de mil para sete mil.

“As perspectivas para o segmento são bem positivas, já que, tudo indica, o limite de captação deve ser dobrado para R$ 10 milhões, na revisão da Instrução 588 da CVM”, observa Wendel.  “Além disso, há interesse por ativos mobiliários ligados a movimentos populares. Isso foi comprovado recentemente pelo sucesso alcançado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, em sua primeira oferta de certificados de recebíveis do agronegócio.

Ricardo Wendel, fundador e CEO da Divi-hub

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