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José Carlos de Souza Jr./Instituto Mauá: "Ensinamos alunos a aplicar teoria e técnica para ajudar empresas a inovar na prática"

Uma gigante multinacional do setor de bebidas precisava resolver um desafio: como aumentar as vendas para um nicho muito relevante de clientes, o dos pequenos estabelecimentos comerciais nas periferias e favelas. O problema foi apresentado a uma fintech que, por sua vez, buscou ajuda do Centro Universitário Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). Um grupo de alunos da universidade encontrou a solução: um aplicativo de gestão financeira desenvolvido sob medida para que os comerciantes se organizassem melhor, lucrassem mais e, claro, passassem a comprar mais da fabricante.

Este é apenas um dos casos recentes – e reais – que alunos do sexagenário IMT, em São Caetano do Sul (SP), ajudaram a resolver.

Nos últimos seis anos, o IMT tem sido palco de uma revolução capitaneada pelo reitor José Carlos de Souza Jr., que assumiu o cargo em 2012. Não apenas por promover parcerias para desenvolver soluções inovadoras a empresas – algo que a academia já descobriu há tempos; mas pela maneira como vem fazendo isso.

Dores e desafios

Desde 2016, Projetos e Atividades Especiais (PAEs) é parte da grade curricular dos alunos do Centro Universitário IMT. Nos PAEs, os alunos aliam excelência técnica, viabilidade econômico-financeira e experiência do usuário para entregar respostas aos desafios e ‘dores’ das empresas.

Pátio interno no campus do IMT, em Santo André (SP): mais de três mil alunos e 130 mil metros quadrados

“Nos PAEs, incentivamos a integração e colaboração entre alunos de todas as faculdades de Engenharia, de Administração, Ciências da Computação, Sistemas de Informação e Design que mantemos aqui. Quando deixamos de ver as disciplinas de modo estanque, todos ganham: os alunos, as empresas e a sociedade”, disse Souza Jr., em entrevista exclusiva ao portal Fintechs Brasil. Ele está em seu terceiro mandato como reitor.

Leia, a seguir, como Souza Jr. vem atraindo cada vez mais empresas a encomendar soluções inovadoras para os alunos do IMT. Com 53 anos, ele é engenheiro elétrico com especialização em eletrônica pela própria Mauá, e fez mestrado e doutorado na Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo. E se considera um entusiasta de tudo que diz respeito à inovação, além de um leitor voraz – daqueles que devoram “até bula de remédio”.

Tripé

FINTECHS BRASIL – Como aplicar a teoria da inovação na prática em uma universidade?

JCSJ – Na prática, a inovação se constrói com um mindset orientado a trabalho em conjunto, currículos bem construídos e conexões. Por trabalho em conjunto, entendemos que uma solução deve aliar a excelência técnica ensinada nas nossas escolas de Engenharia (que podem ser complementares em alguns projetos), experiência administrativa e financeira dos alunos do curso de Administração e à usabilidade, foco dos alunos de Design.

Um aplicativo de banco pode funcionar perfeitamente, mas se for difícil de usar, por exemplo, não vai vingar. Nos nossos laboratórios, projetos e iniciativas em colaboração com parceiros de diferentes setores da indústria e prestação de serviços comprovam isso o tempo todo.

FINTECHS BRASIL – Como são escolhidos os desafios dos PAEs?

JCSJ – Muitos são fruto de demandas de empresas parceiras, que nos procuram com problemas reais para resolver. Hoje, além de grandes corporações, até startups e fintechs têm nos apresentado desafios. Alguns desafios são propostos pelos próprios alunos ou professores. Mas também temos PAEs que ajudam alunos a se relacionar melhor – como o de Teatro – ou a se concentrar melhor – como o de yoga.

PAEs

FINTECHS BRASIL – Os PAEs são os mesmos todos os semestres? Quantos são oferecidos?

JCSJ – Alguns sim, a maioria não. Temos um PAE ‘tutorial’, que é obrigatório, oferecido aos alunos do primeiro ano para que eles entendam o propósito e consigam escolher os que melhor combinem com seus interesses ao longo da sua vida acadêmica. São propostos em média 300 PAEs por semestre e aproximadamente 70% deles têm quórum para sair do papel. Os alunos podem escolher livremente os grupos aos quais vão se integrar, mas 20% da grade curricular deve ser cumprida por meio da participação em PAEs.

FINTECHS BRASIL – Qual o tamanho dos grupos? Quem orienta e quem financia os projetos?

JCSJ – O tamanho varia muito, dependendo do tema. Tem PAE de um aluno só. Os PAEs criados sob demanda para alguma empresa podem ser realizados em uma, duas ou mais turmas, dependendo do interesse e orçamento disponível. Quem orienta são nossos professores, ou profissionais do mercado que são contratados para projetos específicos. E quem financia é o próprio IMT.

Quando uma empresa se envolve com um PAE, tem apenas o “custo” de emprestar alguns dos seus funcionários para apoiar o grupo (e o professor da Mauá que orienta), e de prover informações. Às vezes subsidia o desenvolvimento de alguns protótipos, mas este não é o principal objetivo; o objetivo maior é aproximar a empresa da universidade, para que ela realmente aporte sua expertise e apresente dores que possam ser sanadas pelos alunos.

Talentos

FINTECHS BRASIL – Quantas empresas já financiaram PAEs? O que elas ganham além de possíveis soluções para suas demandas?

JCSJ – Mais de 150 empresas já foram parceiras do IMT – entre elas Itaú, Ambev, Tramontina e Scania – mas nem todas por meio dos PAEs. O PAE é apenas uma das alternativas de parcerias com empresas que mantemos.

Além de encomendar e encontrar soluções, as companhias parceiras também conhecem de perto os alunos, e podem contratar como estagiários ou trainees os que mais se revelam interessados e comprometidos com o desafio e a empresa. Ou seja, é uma excelente oportunidade de selecionar talentos.

FINTECHS BRASILComo e quando o senhor se interessou por engenharia?

JCSJ – Eu sempre fui curioso, sempre gostei de ler até bula de remédio, sempre quis saber a origem das coisas e buscar explicação para tudo. Daí até a Engenharia foi um pulo. E escolhi a Mauá pelo apreço que tinha ao Barão de Mauá desde criança, ele era um visionário.

Explica e aplica

FINTECHS BRASIL – Como reitor, quando entendeu que era preciso passar da sala de aula para a prática?

JCSJ Nosso lema aqui na Mauá é não deixar mais do que uma porta separando o “explica” do “aplica”.  Não foi fácil derrubar os muros, começou por um trabalho dentro das nossas próprias cabeças. O PAE, por exemplo, surgiu no meu segundo mandato. Hoje, a maioria das nossas salas de aula se integram aos nossos laboratórios.

FINTECHS BRASILAlém das diferentes formações, existe algum outro segredo que faz dos PAEs bem sucedidos na entrega dos projetos e soluções?

JCSJ Aqui na Mauá nós entendemos que os alunos podem ser especialistas, generalistas, “nexialistas” – ou mesclar um pouco de cada. Alguns podem querer empreender, outros, ser parte de uma corporação, e outros, serem free lancers. O que importa é que os grupos sejam interdisciplinares e contem com todos esses perfis.

Laboratório de robótica do IMT

FINTECHS BRASILO que é “nexialista”?

JCSJ É a pessoa que faz a conexão entre os outros elementos e saberes do grupo. É alguém com a capacidade de agregar, com visão 360 graus. Tome, por exemplo, a vida na Terra. O carbono é o grande conector da vida. Ele não é o elemento mais abundante mas é o mais versátil, o que está em todos os corpos, o que consegue multiplicar, reproduzir, criar novas estruturas. E a vida na Terra surgiu onde? Na água. O meio líquido é o mais amigável, nem tão caótico quanto o meio gasoso, nem tão rígido quanto o meio sólido (as superfícies da Terra).

Mas a vida somente evoluiu mesmo quando ocorreu uma mutação que gerou a membrana celular. A membrana celular não apenas criou células especialistas, mas abriu a possibilidade de novas fronteiras. A tecnologia não é apenas o que resolve, mas as possibilidades que traz consigo. É o que chamamos de “possível adjacente”.

José Carlos de Souza Jr., reitor do Centro Universitário do IMT