Opinião

2022: o que esperar, além da comemoração do Bicentenário da Independência? - Milton Luiz de Melo Santos

                                                                               

Milton Luiz de Melo Santos*

Começamos o ano, como quase sempre: renovando nossas esperanças e acreditando que poderemos viver os próximos 365 dias plenos de boas novas.  Entretanto, o mês de janeiro já cuidou de nos entregar alguns choques de realidade, como as notícias sobre chuvas torrenciais, alagamentos, desabamentos e tragédias (como a de Capitólio). A isso tudo se somam as condições nada alvissareiras de nossa economia, nos levando a refletir sobre o que seria racional “esperar para o novo ano”.

  • a inflação chegando a dois dígitos (10,74%), a mais alta em 18 anos;
  • a taxa básica de juros da economia, que sofreu sete correções em apenas nove meses de 2021, saiu de 2% a.a. para 9,25% a.a., afetando diretamente o crédito/consumo;
  • a elevada taxa de desemprego (cerca de 14%), que agrega desempregados, desalentados e subocupados sob a cifra de 30 milhões de brasileiros afastados do mercado consumidor

O “voo de galinha” de nossa economia em 2021 — especialmente observado no setor de serviços com a retomada de atividades após o período de distanciamento social – não deve se repetir em 2022.  A inflação de dois dígitos, o aumento das taxas de juros, a crise hídrica, a incerteza (ainda) gerada pelas novas ondas da pandemia e as turbulências típicas de uma véspera eleitoral polarizada só corroboram a baixa confiança do consumidor e dos empresários, limitando ainda mais as chances de um desempenho positivo da economia em 2022.

O cenário de desaceleração deixa poucos vetores para o crescimento. Alguns indicadores econômicos apontam uma forte tendência à estagflação em 2022 no Brasil, com crescimento próximo a zero e pressão inflacionária. Com certeza, será mais um período para testar a resiliência (chamem de criatividade ou jeitinho, se quiserem) do povo brasileiro.

Nesse pano de fundo, existe um aspecto que desafia até as mentes mais brilhantes em termos de Política Pública: como prover sustentabilidade e crescimento a centenas de milhares de micro e pequenas empresas que, com a pandemia e as medidas de isolamento social, viram as suas cadeias produtivas e modelos de negócios se tornarem inadequados de uma hora para outra, impactando fortemente a sua sobrevivência, especialmente como responsáveis pela geração de milhões de empregos em nossa economia.

Mesmo com a ajuda financeira proporcionada pelas medidas do Ministério da Economia e do Banco Central do Brasil, com oferta de linhas de crédito emergenciais (PRONAMPE e BEM-Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, como exemplos), o fato é que houve uma forte retração de consumo de produtos e serviços – em um primeiro momento em função das incertezas do cenário -, que impactou negativamente o faturamento e  o caixa dessas empresas, levando-as à inadimplência (atrasos de mais de 90 dias) junto às instituições financeiras.

Importa registrar que, em pesquisa recente conduzida pela Boa Vista Serviços com consumidores inadimplentes em todo o país, verificou-se que 60% deles estão fortemente endividados por conta do desemprego e da redução da renda. Outro ponto importante: a maior parte dos inadimplentes possui mais de três contas em atraso, com dívidas acima de R$ 5.000,00 e estão com seus nomes há mais de 90 dias negativados.

Sabemos que no Brasil existem perto de 12 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs) e cerca de 6 milhões de micro e pequenas empresas, que respondem por quase 30% do PIB (52% do emprego formal e 40% da massa salarial brasileira).

Esse grande conjunto de empresas, onde muitas vezes “o bolso direito se confunde com o bolso esquerdo”, foi o que mais sofreu com as adversidades provocadas pela pandemia. Por uma questão de sobrevivência, muitas delas ainda têm optado por colocar comida na mesa ao invés de cumprir com os compromissos financeiros e tributários do seu dia a dia.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei para conceder condições mais apropriadas para a renegociação de dívidas (com cerca de R$ 50 bilhões), no âmbito do SIMPLES Nacional. Infelizmente, o veto presidencial deixou a todos atônitos, já que essa medida se impõe para atenuar a grave situação de milhões de MEIs e microempresas impossibilitadas de prosseguirem com suas atividades em função dos débitos registrados com a Receita Federal.

A regularização das dívidas tributárias dessas empresas, bem como a flexibilização das regras de cobrança por parte dos agentes financeiros, relativamente aos débitos em atraso dos empréstimos em curso, exige coragem e criatividade de políticas públicas de forma a proporcionar o retorno das atividades (produção, distribuição e consumo) e a consequente retomada dos empregos e da renda nos diversos setores ocupados por essas empresas.

Com esse cenário, onde os indicadores patinam e as dúvidas são maiores do que as certezas, acompanhados pela ausência de decisões políticas mais assertivas quanto à situação dessas centenas de milhares de empresas, certamente assistiremos ao agravamento do quadro das tensões sociais. Com certeza, qualquer comemoração que porventura se queira fazer sobre o bicentenário de nossa Independência passará bem ao largo das reais necessidades de nosso povo.

*Economista e Presidente da ACCREDITO Sociedade de Crédito Direto SA

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