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ENTREVISTA: André Cazotto/PicPay: "Vamos manter o crescimento sem gastar tanto com marketing; queremos entregar rentabilidade"

Influenciadores digitais, Rede Globo, SBT e outras mídias cativas do PicPay que coloquem as barbas de molho, como diria minha avó: a fintech do grupo J&F já se sente confiante para reduzir gastos com publicidade. Depois de atingir 65 milhões de clientes – com a ajuda da pandemia, quando vários beneficiários baixaram o app para movimentar o auxílio emergencial – ser conhecido no Brasil todo por patrocinar o Big Brother Brasil, ressuscitar o Show do Milhão e contratar a cantora Iza como garota propaganda, o superapp vai cortar as despesas com marketing, que vem consumindo a maior parte das suas receitas. A ordem agora é crescer sim, mas com rentabilidade.

Nessa entrevista exclusiva ao portal Fintechs Brasil, o diretor de relações com investidores do PicPay, André Cazotto, apontou a linha do balanço chamada “selling expenses” (algo como despesas para vender), que ultrapassou R$ 1,2 bilhão e superou todas as outras, como uma das maiores responsáveis pelo prejuízo de R$ 1,9 bilhão no ano passado. Nos R$ 1,2 bilhão, estão incluídos gastos com marketing institucional e branding, campanhas, marketing de desempenho e indicações pagas. Cazotto disse que tecnologia e pessoas também representaram parcela relevante das despesas – embora a fintech não revele quanto.

O executivo falou sobre os planos de abrir o capital. Cazotto chegou na fintech exatamente há um ano, em meio a uma leva de contratações para fortalecer a estrutura e governança do PicPay. Antes, ele havia sido o executivo responsável por levar o PagSeguro à Bolsa nos Estados Unidos, após três anos de reestruturação da fintech do UOL, que hoje já dá lucro.

Leia a seguir os principais trechos do bate-papo:

FINTECHS BRASIL – De novo, o PicPay apresentou um resultado negativo. Dar prioridade ao crescimento em detrimento do lucro é comum às startups nos seus primeiros anos de vida, mas por outro lado investidores começam a ficar cansados… O Nubank, um ano mais novo do que o PicPay, já entrou no azul. Outros concorrentes vem tentando seguir essa trilha. Quando a situação vai virar para vocês?

ANDRÉ CAZOTTO – Na verdade, já está mudando: no quarto trimestre houve uma leve inversão. A tendência é que isso continue, vamos conseguir manter o ritmo de crescimento sem gastar tanto com marketing, dado que a marca já é muito forte, já temos 30 milhões de usuários ativos, estamos aumentando a base de usuários transacionais e cada vez mais diversificando, ganhando escala nos novos produtos – acabamos de entrar em seguros, temos cartão de crédito há um ano, empréstimo pessoal… Tudo isso ajuda não só a ampliar nossa base, mas a acelerar a sua monetização. Ou seja, ao mesmo tempo que a gente se beneficia desta escala, começa a reduzir as despesas. Este é o foco: crescimento com rentabilidade já está na nossa estratégia e a partir do primeiro trimestre a gente deve ver isso de forma mais consistente.

FINTECHS BRASIL – No ano passado como um todo, clientes e receitas cresceram bastante. Mas onde foi parar todo esse dinheiro?

ANDRÉ CAZOTTO – É uma questão do modelo de negócio – e não estou falando nem só do ano passado especificamente, mas dos últimos anos: a companhia que começou com uma carteira digital em Vitória (Espírito Santo) em 2012, oferecendo produtos simples como transferência de dinheiro entre pessoas, recarga de celular, crédito para Uber, crédito para iFood e pagamento de contas está virando uma ecossistema muito mais completo. Nossa meta é ser o maior aplicativo de pagamentos do Brasil, por isso fizemos um investimento muito forte em marca, e hoje o PicPay é uma das mais conhecidas do mercado. Nas pesquisas de marca do segmento o PicPay é Top of Mind, com mais de 90% de reconhecimento. Temos mais de 1,5 milhão de lojistas credenciados, produtos de crédito pessoal, passamos de R$ 1 bilhão em originação de crédito, estamos entrando em seguros, temos empréstimos de pessoa a pessoa – produto que a gente está começando a acelerar – mais de 300 vendedores dentro da PicPay Store … agora temos essa visão de e-commerce, seja no modelo de redirecionar os nossos usuários para o site dos parceiros (Amazon, Ali Express, Shopee…), ou dando a possibilidade a varejistas online de criarem miniapps dentro da nossa plataforma.

Estamos diversificando cada vez mais o portfólio de produtos, e obviamente a plataforma também está ficando cada vez mais robusta, teve um investimento muito grande nisso ao longo dos últimos anos. Em 2021, a linha do balanço chamada “selling expenses” (algo como despesas para vender), ultrapassou R$ 1,2 bilhão e superou todas as outras (administrativas e até as financeiras) somadas. Teve um foco em construção de base de usuários, hoje mais de 65 milhões já fizeram registro dentro do app; agora reforçamos o processo de ativar esses usuários através de novos produtos. Hoje o PicPay é um dos dois maiores ecossistemas digitais no mercado brasileiro. A gente fechou 2021 com quase 3,7 mil funcionários, praticamente o dobro do ano anterior, e os reforços foram principalmente para o time de tecnologia. O PicPay atua no Brasil todo, a marca é nacional, está não só nas principais regiões mas em todos os municípios possíveis, já são mais de 3,5 mil. Somos uma empresa muito mais madura, o que facilita manter a estratégia de crescimento sem a necessidade de fazer tanto investimento em marca, em aquisição de clientes. Podemos agora nos beneficiar de uma escala gigante que construímos ao longo dos últimos anos.

FINTECHS BRASIL – Vários concorrentes também vêm investindo no modelo de plataforma, de ecossistema completo. Dentro dessa oferta diversificada que vocês construíram, vocês enxergam alguma vertical mais relevante para seguir?

ANDRÉ CAZOTTO – Hoje, além da carteira digital, que representa 80% das nossas receitas, e ainda tem muito a crescer, o marketplace financeiro é a vertical mais madura da companhia. O PicPay Card, por exemplo, já ultrapassou mais de 13 milhões de cartões, é um produto que tem muito ‘fit’ com a nossa base, o usuário gosta do cartão. O empréstimo pessoal também está crescendo muito, a gente começou com o Banco Original e já temos seis parceiros: BV, Creditas, Digio, PortoCred e Empréstimo SIM do Santander. O lançamento de produtos de seguros (que vamos expandir para novas modalidades) veio completar a oferta. Mas também vamos lançar novos produtos na PicPay Store, assim como reforçar a área de pessoas jurídicas onde vemos muito potencial – temos um time super sênior, com um histórico muito legal em empresas de adquirência. Eu acho que esse é o grande diferencial do nosso modelo de plataforma: além dos 30 milhões de usuários ativos, já temos 1,5 milhão de lojistas credenciados para aceitar nossa forma de pagamento. Ter essa conexão entre usuários e lojistas, esse ecossistema de dois lados é um grande diferencial.

FINTECHS BRASIL – Dentro do marketplace financeiro, onde vocês apostariam mais, de onde pode vir essa virada de prejuízo para lucro ?

ANDRÉ CAZOTTO – Nosso core business, a carteira digital, é um produto com margem muito interessante. Mas vimos que há mais a explorar: em 12 meses conseguimos, por exemplo, emitir 13 milhões de cartões; e todos esses produtos geram margem positiva, robusta.  O Brasil tem essa característica, os produtos financeiros têm margens altas. Mas o diferencial do modelo do PicPay é a questão da escala, da marca, da experiência do cliente.  Com a tecnologia, na medida em que você consegue atingir milhões de usuários o custo de servir esses clientes é muito baixo, afinal somos 100% digital. Isso vai garantir com que o PicPay seja uma empresa altamente rentável nos próximos anos. Vamos continuar investindo em novos produtos que façam sentido para nossos usuários, sejam empresas ou pessoas – e principalmente no cross-selling dos que já oferecemos.

 FINTECHS BRASIL – E o IPO, quando sai?

ANDRÉ CAZOTTO – Ainda faz parte dos planos da companhia, mas não tem prazo estipulado. Nosso foco agora é de fato a execução do crescimento com rentabilidade. O IPO será uma consequência. A gente tem o grupo J&F como controlador, super comprometido com a estratégia da empresa; hoje é a J&F que aporta o capital para o PicPay manter o ritmo de crescimento. Em relação a outros investidores em potencial, temos conversas frequentes para atualização, para mostrar o que estamos fazendo, e temos visto muito entusiasmo. Quando o mercado entende o modelo de empresa de alto crescimento, enxerga o que a companhia tem feito ao longo dos últimos meses em termos de diversificação, a marca forte que construímos, a escala que atingimos – surge uma ansiedade para saber quando a empresa vai vir a mercado, claro! Porém, olhando o cenário de aumento de juros e da inflação, a guerra na Ucrânia… a janela para IPO ficou limitada no primeiro trimestre de 2022, se comparado com um ano atrás. Mas isso é temporário, estamos atentos ao momento de ir a mercado quando ele chegar.

FINTECHS BRASIL  – A gente está vendo muitas fintechs e startups brasileiras partindo para outros países, começando pela América Latina; e ao mesmo tempo também têm muitas estrangeiras entrando no Brasil. Como o PicPay vê essa concorrência? E a possibilidade de internacionalização?

ANDRÉ CAZOTTO – Nosso foco hoje é o mercado brasileiro, tem muito espaço para crescimento aqui. Conquistamos escala e continuaremos a fomentar uma base ativa, cada vez mais engajada. O PicPay tem uma visão super positiva do mercado interno, dadas as mudanças regulatórias – o PIX, por exemplo, está promovendo a inclusão de milhões de pessoas para pagamentos digitais, para banking digital; estamos nos beneficiando muito disso, estamos entre os players que mais tem downloads, mais onboarding de clientes. Hoje, mais de 80% do cash in da carteira digital já vem do PIX. Tem um segundo ponto, o Open Banking. Compramos o Guiabolso no ano passado, o que acelerou muito a integração do marketplace financeiro – mas o principal motivo para a aquisição foi a infraestrutura, a expertise e a tecnologia deles, que vai nos ajudar a capturar vantagens dessa mudança regulatória. Acho que tem muita coisa ainda para acontecer no mercado brasileiro antes de pensar em internacionalização.

Sobre a concorrência, enxergamos com muita naturalidade. O Brasil é um país do tamanho de um continente, ainda tem muito espaço para bancarização. Temos uma combinação de pessoas que são desatendidas ou desbancarizadas, que estão sendo bancarizadas ou melhor atendidas através de players digitais, e o PicPay é um grande vencedor nessa questão de democratização de pagamentos do dia a dia, de boleto digital, transição de compra física para compra online. É claro que dado o tamanho das oportunidades, o Brasil chama a atenção da concorrência. Mas, de novo: temos marca, escala, produto, 30 milhões de usuários ativos, um ritmo de crescimento muito forte. Estamos investindo já há algum tempo no mercado brasileiro, estamos muito mais maduros para servir nossos clientes.

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