
Por mais inovadores e disruptivos que sejam no plano tecnolĂłgico, empresĂĄrios, executivos e investidores em fintechs sĂŁo tĂŁo conservadores em termos polĂticos e econĂŽmicos quanto seus pares de negĂłcios convencionais. Nove entre dez integrantes do universo de startups voltadas Ă s finanças defendem teses como desregulamentação econĂŽmica, rĂgida disciplina fiscal, Estado mĂnimo, reduzida intervenção do governo nos rumos da economia etc. Ainda assim, a posse, em 1o de janeiro, de uma gestĂŁo federal de centro-esquerda (para os padrĂ”es brasileiros, fique claro), comandada pelo presidente eleito Luiz InĂĄcio Lula da Silva, nĂŁo causa preocupaçÔes ao setor.
Ă bom lembrar que hĂĄ 20 anos, quando Lula subiu a rampa pela primeira vez, nem se falava em fintechs no Brasil.
âA inovação em finanças Ă© um movimento global, que, governos Ă parte, vem empurrando o mercado financeiro para a frenteâ, comenta Diego PĂ©rez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). âNo Brasil nĂŁo Ă© diferente. Durante os governos Lula e Dilma, por exemplo, surgiram os correspondentes bancĂĄrios e o Sistema Brasileiro de Pagamentos, respectivamente.â
A confiança do setor Ă© baseada, em grande parte, na Lei Complementar 179/2021, que garantiu autonomia ao Banco Central (BC). Com mandato atĂ© dezembro de 2024, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terĂĄ condiçÔes de dar sequĂȘncia Ă Agenda BC#, lançada em 2019, que jĂĄ abriu espaço, entre outras iniciativas, para o Pix o Open Banking, com novidades previstas para 2023, e a regulamentação do uso de duplicatas escriturais como ativos financeiros. De quebra, tambĂ©m Ă© grande a expectativa com respeito Ă Resolução 4.970 do Conselho MonetĂĄrio nacional (CMC), que, em vigor desde 1o de setembro, terĂĄ para o setor financeiro, na visĂŁo de Daniel CĂĄria, fundador e CEO da fintech mineira Vanq, a mesma importĂąncia da Lei Complementar 123/2006, a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, em relação a empreendimentos de menor porte.
âA Resolução 4.970, que simplifica o registro de pequenas instituiçÔes financeiras, criando condiçÔes para a criação de fintechs, Ă© uma iniciativa cujos efeitos serĂŁo sentidos de forma mais intensa a longo prazoâ, diz CĂĄria. âSerĂĄ, tudo indica, uma repetição do âfilmeâ das instituiçÔes de pagamento, que foram reguladas em 2013 mas sĂł ganharam escala no fim da dĂ©cada passada.â
Igualmente otimista, o investidor-anjo JoĂŁo Bezerra Leite, lĂder do pool de fintechs da Bossanova Investimentos, acredita que o novo governo federal garantirĂĄ maior estabilidade politica ao paĂs e prevĂȘ a retomada do crescimento da economia brasileira em 2023. Em sua avaliação, o paĂs tende, inclusive, a atrair um volume maior de investimentos estrangeiros â especialmente no segmento de energias renovĂĄveis, que ganharam ainda mais relevĂąncia com a crise de abastecimento de gĂĄs enfrentada pela Europa em pleno inverno, causada pela guerra entre RĂșssia e UcrĂąnia. AlĂ©m de fintechs atuantes nesse segmento, Bezerra projeta bons negĂłcios para startups voltadas a telecomunicaçÔes, finanças descentralizadas (DEFI) e cĂąmbio, nicho que ganharĂĄ uma injeção de gĂĄs com o lançamento do Real Digital, programado para 2024.
âO grupo de fintechs brasileiras deve dobrar nos prĂłximos dois ou trĂȘs anos, atingindo a marca de 2,8 milâ, estima Bezerra. âO open finance vai virar âopen everythingâ, criando oportunidades em ĂĄreas como seguros e retaguarda. Banco digital deixarĂĄ, enfim, de ser sinĂŽnimo de fintech.â
Alinhadas com o Boletim Focus, do BC, que projeta queda de dois pontos percentuais na taxa Selic, para 11,75% ao ano, até dezembro de 2023, as fontes ouvidas pelo Fintechs Brasil acreditam que o aperto monetårio iniciado no primeiro trimestre de 2021, como resposta à escalada da inflação, tende a ser suavizado. Se efetivado, o ajuste proporcionarå algum gås às fintechs na competição com a renda fixa pela atração de investimentos. Taxas próximas ao piso histórico da Selic, de 2% ao ano, vigente entre setembro de 2020 e março de 2021, contudo, só são esperadas para 2024, o que, na visão de Pérez, não representa nenhuma tragédia.
âQuando as primeiras fintechs surgiram, a taxa bĂĄsica de juros tambĂ©m estava em dois dĂgitosâ, diz o presidente da ABFintechs. âAs startups de crowdfunding, por exemplo, iniciaram suas atividades por volta de 2014, com a Selic em 11%, e hoje hĂĄ 40 plataformas registradas na CVM.â
O desafogo monetĂĄrio no plano domĂ©stico corre o risco, no entanto, de ser comprometido pelo cenĂĄrio externo. Em 14 de dezembro, o Federal Reserve elevou a taxa de juros dos Estados Unidos em 0,5 ponto, para o intervalo de 4,25% e 4,5% ao ano, o maior patamar desde 2017. O Banco Central Europeu seguiu o exemplo no dia seguinte, ajustando, na mesma proporção, o juro bĂĄsico da zona do euro para 2,5% ao ano, trĂȘs pontos acima da taxa vigente em julho.
âAcredito que os Estados Unidos entrarĂŁo em recessĂŁo em 2023. Se a retração for dura e a China nĂŁo conseguir sustentar a economia global, os efeitos serĂŁo sentidos na AmĂ©rica Latina, no Brasil e no restante do planeta.â, diz SĂ©rgio Jachtchenco, cofundador da campineira HST, prestadora de serviços ao setor financeiro na ĂĄrea de meios de pagamento, que mora na FlĂłrida hĂĄ 24 anos. âPara o nosso setor, a recessĂŁo resultarĂĄ em uma recomposição da estrutura de custos, com a redução dos elevados salĂĄrios de profissionais de tecnologia da informação. Estes, por sinal, jĂĄ a começam a ceder, em razĂŁo das recentes demissĂ”es em gigantes como Microsoft e Facebook.â